15 de jul. de 2014

ESTANDARDIZAÇÃO DA CAUSA



O panóptico jurídico enclausura o desejo democrático, vilipendia a possibilidade de ruptura paradigmática e, tal como a Medusa, transforma em pedra o direito. E o sentido que aqui se quer emprestar à pedra é de imobilidade, ausência de agir, sentimento de vida estanque imposto por outrem. Quer-se-ia, contudo, que o direito, liberto das correntes opressoras do panóptico pudesse alcançar o outro sentido de pedra, representado na força, na firmeza, na nitidez de caráter. A pedra que toca o direito, assim, é a que habita o imaginário dos punhos de renda, das anáguas engomadas, que se distancia da farândola popular e acompanha o chá das cinco de um Judiciário inerte, inquisitor e amante da estandardização, impondo conceitos e castrando o saber democrático.

A fala autorizada sufoca a democracia. Os julgadores esquecem os seres iconoclastas e pluricromáticos que habitam a semiologia cortaziana reaviventada por Warat. Transformaram-se em fantasmas pálidos de um cotidiano inóspito, acinzentado e cadavérico. A democracia precisa de jardins, mas jardins multicoloridos. Não pode sobrevier em meio a ervas daninhas e rosas negras.

O Judiciário brasileiro vive a calenda da industrialização decisional, da massificação (des) personalizada dos julgados, olvidando as pessoas que (ainda) insistem em existir e ser a razão dos pleitos que batem às portas do Estado-Juiz. A tecnologia perniciosa motiva os critérios de avaliação quantitativos e a máquina, que surgiu para servir o homem, agora o submete a seu jugo. Jorge Burgos, o monge cego de Umberto Eco, cujo batismo não se deu por mera coincidência, ambientado na biblioteca, cenário predileto de Jorge Luís Borges – que influenciou decisivamente o escritor italiano –, tremeria diante do infausto.

O direito aproxima-se da literatura de auto-ajuda e do viés manuealesco que inunda as livrarias e salas de aula, passando ao largo do pensar pulsante presente na erudição labiríntica de Borges. Traduz o consumismo hedonista e a incultura que se instalou na sociedade pós-moderna. O direito, que com pesar se questiona, denota um subproduto desse mundo torto e individualista que percebe na autenticidade um desvalor a ser banido.

Aqueles que não compartilham com as estruturas responsáveis pelo triste cenário que se vê, precisam da paciência dos ourives. E se é certo que não há um prócer da nação que possa soprar o braseiro e incendiar a verdade que se quer desvelar, também é fato que esses sujeitos (jurisdicionados-produto), hoje tomados por uma espécie de tristeza de serraceno, com olhos lúgubres e tez negra opaca precisam manter viva a capacidade de indignação, sob pena de chancelar o fim.

O homem está desaparecendo para dar lugar a um sujeito-máquina esteriotipado e repetidor de uma jurisprudência sintomática cuspida aos cântaros pelos tribunais superiores. 

Jeferson Dytz Marin