O panóptico jurídico enclausura o desejo democrático,
vilipendia a possibilidade de ruptura paradigmática e, tal como a Medusa,
transforma em pedra o direito. E o sentido que aqui se quer emprestar à pedra é
de imobilidade, ausência de agir, sentimento de vida estanque imposto por
outrem. Quer-se-ia, contudo, que o direito, liberto das correntes opressoras do
panóptico pudesse alcançar o outro sentido de pedra, representado na força, na
firmeza, na nitidez de caráter. A pedra que toca o direito, assim, é a que
habita o imaginário dos punhos de renda, das anáguas engomadas, que se
distancia da farândola popular e acompanha o chá das cinco de um Judiciário
inerte, inquisitor e amante da estandardização, impondo conceitos e castrando o
saber democrático.
A fala autorizada sufoca a
democracia. Os julgadores esquecem os seres iconoclastas e pluricromáticos que
habitam a semiologia cortaziana reaviventada por Warat. Transformaram-se em
fantasmas pálidos de um cotidiano inóspito, acinzentado e cadavérico. A
democracia precisa de jardins, mas jardins multicoloridos. Não pode sobrevier
em meio a ervas daninhas e rosas negras.
O Judiciário brasileiro vive a
calenda da industrialização decisional, da massificação (des) personalizada dos
julgados, olvidando as pessoas que (ainda) insistem em existir e ser a razão
dos pleitos que batem às portas do Estado-Juiz. A tecnologia perniciosa motiva
os critérios de avaliação quantitativos e a máquina, que surgiu para servir o
homem, agora o submete a seu jugo. Jorge Burgos, o monge cego de Umberto Eco,
cujo batismo não se deu por mera coincidência, ambientado na biblioteca,
cenário predileto de Jorge Luís Borges – que influenciou decisivamente o
escritor italiano –, tremeria diante do infausto.
O direito aproxima-se da literatura
de auto-ajuda e do viés manuealesco que inunda as livrarias e salas de aula,
passando ao largo do pensar pulsante presente na erudição labiríntica de
Borges. Traduz o consumismo hedonista e a incultura que se instalou na
sociedade pós-moderna. O direito, que com pesar se questiona, denota um
subproduto desse mundo torto e individualista que percebe na autenticidade um
desvalor a ser banido.
Aqueles que não compartilham com as
estruturas responsáveis pelo triste cenário que se vê, precisam da paciência
dos ourives. E se é certo que não há um prócer da nação que possa soprar o
braseiro e incendiar a verdade que se quer desvelar, também é fato que esses
sujeitos (jurisdicionados-produto), hoje tomados por uma espécie de tristeza de
serraceno, com olhos lúgubres e tez negra opaca precisam manter viva a
capacidade de indignação, sob pena de chancelar o fim.
O homem está
desaparecendo para dar lugar a um sujeito-máquina esteriotipado e repetidor de
uma jurisprudência sintomática cuspida aos cântaros pelos tribunais superiores.
Jeferson Dytz Marin