12 de ago. de 2014

ESTANDARDIZAÇÃO DA CAUSA II


O emprego dos instrumentos de estandardização da causa lembram o delírio hermenêutico da Companhia Bananeira da Macondo de Gabriel Garcia Maquez. Em face da afirmação sofista dos causídicos americanos, que atestavam nunca terem existido trabalhadores, confrontando com a sóbria memória dos Buendía.A estandardização do direito tem essa pretensão. A mesma dos advogados da Companhia de Bananas: “a de transformar em existente o plano da inexistência”.

Apesar de prescindir-se do brilho seráfico e do pergaminho de Melquíades espera-se que a tendência de massificação do direito mude de rumo e a verdade não seja descoberta tarde demais, alcançando-se o mesmo destino que foi reservado aos Buendía da mítica Macondo.

As decisões que registram a pretensão de implantação de um sentido unívoco traduzem imposturas. Carregam consigo o problema genético da falta de autoridade e, embora sejam formalmente chanceladas não gozam de legitimidade democrática. A democracia não oprime, liberta. A democracia não restringe, inclui. A democracia não tem um discurso monológico, mas plural. A democracia traduz a possibilidade de pleno exercício da vontade fundada na diferença, que a partir da possibilidade da existência multiplica as alternativas e compõe o mosaico de valores que amparam o Estado de Direito. Quando a lanceolada face de animal carnívoro da estandardização será banida pela candura democrática? O tempo responderá. É preciso um “dar-se conta” da proximidade do fim. A refundação da democracia jurisdicional. O resgate da tradição. O retorno ao elemento humano. Foucault traduz um pouco desse sentimento de aprisionamento a que está submetido o homem-jurisdicionado, numa sociedade em que se firma uma interdição provocada pela exclusão.

Aliás, falando em tempo, as tentativas de “nova gestão da temporalidade” do processo têm ido ao encontro de uma efetividade tacanha, com espeque na massificação das ações, consectário de uma impressionante tentativa de assassínio da “causa”, de (des) personalização das demandas e de centralismo judicial. As súmulas vinculantes e, mais recentemente, a relativização da coisa julgada prevista no art. 475, L, § 1º do CPC são exemplos patentes dessa realidade.

O fundamento das práticas universalizantes, que registram o firme propósito de execução de um projeto de poder jurisdicional calcado na institucionalização de um grupo monolítico, não contribuem em nada para a democratização do Judiciário.

Esse processo de robotização e tentativa vã de (des) burocratizar o Poder Judiciário engessa o humano, rechaça a capacidade de construção intelectiva da decisão e amordaça todo agir transformador. Enquanto o mundo se funda na existência de grupos cada vez mais organizados que traduzem a previsão de evolução da consciência da sociedade civil vertida por Gramsci, o Judiciário apresenta-se indiferente às demandas sociais, mergulhado no mesmo estigma de ode ao contencioso que o caracterizou nos dois últimos séculos.

O escopo universalizante do direito hodierno encontra-se representado precipuamente nas formas de estandardização da causa. Notadamente nas súmulas vinculantes, súmulas impeditivas de recursos, na imposição de um discurso monológico – visto, v.g., nos poderes do relator de todos os tribunais, que crescem vertiginosamente –, na filtragem espúria e industrial-seletiva que os pretórios têm aplicado no exame de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário, no requisito da repercussão geral, na sentença preliminar e, mais recentemente, na relativização da coisa julgada.

Jeferson Dytz Marin