5 de jan. de 2015

O CONSUMIDOR ENLATADO: O PÉRIPLO DOS 0800



Definitivamente, chegamos na “era da técnica”. As máquinas assumem o lugar do homem e o homem, quando em ação, busca cada vez mais moldar-se às características da máquina, como se esse fosse o paradigma concludente do futuro. O apogeu desse estigma, seguramente, traduz-se na figura do usuário, que tomado de cólera, externa toda sua insatisfação com o serviço prestado, recebendo a saudação final da atendente humano-eletrônica: “Necessita de mais alguma coisa? A companhia (...) agradece e deseja um bom dia”.

Cordialidade mórbida! Gentileza sarcástica! Acintoso cinismo! Difícil qualificar a mensagem compulsória emitida pelas atendentes das companhias que patrocinam os serviços de massa. Mais difícil ainda descrever a indignação que avassala o usuário, tomado de ira em face do notório descaso a que é submetido.

É comum o relato de pessoas que aguardam mais de meia hora para um atendimento e, ao cabo, não tem seu problema resolvido, vêem sua ligação ser interrompida ou deparam-se com um indicativo de nova tentativa em face de “problemas” apresentados no sistema.

A tutela do consumidor, no Brasil, alcançou contornos de política pública prioritária com a edição do Código de Defesa do Consumidor, entretanto, a propalada atenção anunciada pela edição da norma não tem se verificado na prática. Os serviços de telecomunicação, energia, saúde e boa parte das ofertas de cunho público, que guardam também contornos sociais, não tem registrado a efetividade desejada.

As determinações das agências reguladoras, alçadas à categoria de autarquias especiais, acabam frustrando o efeito pragmático que move sua gênese. Os serviços de discagem gratuita, no mais das vezes, revelam descaso ao consumidor, que após um calvário desgastante e conversas intermináveis com toda a sorte de setores, acaba, muitas vezes, sem o préstimo almejado. O cancelamento dos serviços, seguramente, é o escopo consumerista mais vilipendiado, fruto das dificuldades impostas pelas empresas, que lançam mão de todas as artimanhas para a manutenção do cliente em seus quadros, desconsiderando a insatisfação do usuário com os serviços prestados. O exemplo da saudação cabal da atendente é o reflexo mais repugnante dessa realidade.

Se é certo que houve um avanço significativo na acessibilidade dos serviços prestados, baixando-se o custo de boa parte da oferta, assim como se percebe uma agilização elogiável na assistência técnica, também é correto afirmar que o atendimento ao usuário quando da constatação de problemas na prestação da atividade guarda caráter de imensa precariedade. A supressão do elemento humano certamente é um dos maiores óbices ao alcance de um índice razoável de satisfação.

No século em que a informática avança a passos largos e no qual a velocidade das informações desenvolve-se de forma avassaladora, não se pode, a custa da evolução imanente, tolher dos indivíduos o direito de receber, dos órgãos públicos ou empresas privadas que exercem atividades tipicamente públicas, notícias emitidas por homens e mulheres e não por aparelhos eletrônicos que jamais compreenderão os sentimentos experimentados pelos usuários desagradados.

O direito à qualidade dos serviços e produtos apresentados, de ciência plena das informações relevantes no tocante à composição e condições de oferta e de cordialidade, eficiência e presteza no atendimento, são indispensáveis ao cumprimento do mandato constitucional de tutela plena ao consumidor.

A ineficiência dos serviços prestados, além da natural insatisfação do consumidor, tem gestado um sem-número de ações judiciais que buscam a devida reparação material e moral, consectário das práticas ilegais das prestadoras. O Judiciário, como baluarte derradeiro da proteção do consumidor, constitui-se porquanto no depositário da esperança cidadã dos prejuízos nefastos experimentados diariamente pelos usuários.

Os danos morais em face da indevida inclusão nos cadastros de inadimplentes, após a demonstração clara do pagamento, a busca da reparação material em razão da privação da utilização de serviços essenciais e a proibição do corte arbitrário da oferta, são algumas das ações mais comuns na busca da tutela do consumidor.

Espera-se, assim, que os órgãos públicos responsáveis pela imposição das garantias mínimas ao consumidor e do dever de qualidade do prestador possam assegurar o respeito devido aos usuários, reféns de uma sociedade onde as ofertas crescem vertiginosamente, o que dá azo a um conseqüente aumento dos riscos nas negociações. Isso exige uma postura incisiva do Estado, que além de estabelecer regras rigorosas, deve assegurar a fiscalização efetiva de seu cumprimento e fixar penas compatíveis com o potencial dos prejuízos gerados.
 
 
Jeferson Dytz Marin