Consumismo Não Tem Mais Idade. |
Definitivamente, chegamos na “era
da técnica”. As máquinas assumem o lugar do homem e o homem, quando em ação,
busca cada vez mais moldar-se às características da máquina, como se esse fosse
o paradigma concludente do futuro. O apogeu desse estigma, seguramente,
traduz-se na figura do usuário, que tomado de cólera, externa toda sua
insatisfação com o serviço prestado, recebendo a saudação final da atendente
humano-eletrônica: “Necessita de mais alguma coisa? A companhia (...) agradece
e deseja um bom dia”.
Cordialidade mórbida! Gentileza
sarcástica! Acintoso cinismo! Difícil qualificar a mensagem compulsória emitida
pelas atendentes das companhias que patrocinam os serviços de massa. Mais
difícil ainda descrever a indignação que avassala o usuário, tomado de ira em
face do notório descaso a que é submetido.
É comum o relato de pessoas que
aguardam mais de meia hora para um atendimento e, ao cabo, não têm seu problema
resolvido, sua ligação é interrompida ou ainda se deparam com um indicativo de
nova tentativa em face de “problemas” apresentados no sistema.
A tutela do consumidor, no
Brasil, alcançou contornos de política pública prioritária com a edição do
Código de Defesa do Consumidor, entretanto, a propalada atenção anunciada pela
edição da norma não tem se verificado na prática. Os serviços de
telecomunicação, energia, saúde e boa parte das ofertas de cunho público, que
guardam também contornos sociais, não têm registrado a efetividade desejada.
As determinações das agências
reguladoras, alçadas à categoria de autarquias especiais, acabam frustrando o efeito
pragmático que move sua gênese. Os serviços de discagem gratuita, no mais das
vezes, revelam descaso ao consumidor, que após um calvário desgastante e conversas
intermináveis com toda a sorte de setores, acaba, muitas vezes, sem o préstimo
almejado. O cancelamento dos serviços, seguramente, é o escopo consumerista
mais vilipendiado, fruto das dificuldades impostas pelas empresas, que lançam
mão de todas as artimanhas para a manutenção do cliente em seus quadros,
desconsiderando a insatisfação do usuário com os serviços prestados. O exemplo
da saudação cabal da atendente é o reflexo mais repugnante dessa realidade.
Se é certo que houve um avanço
significativo na acessibilidade dos serviços prestados, baixando-se o custo de
boa parte da oferta, assim como se percebe uma agilização elogiável na assistência
técnica, também é correto afirmar que o atendimento ao usuário quando da
constatação de problemas na prestação da atividade guarda caráter de imensa
precariedade. A supressão do elemento humano certamente é um dos maiores óbices
ao alcance de um índice razoável de satisfação.
No século em que a informática
avança a passos largos e no qual a velocidade das informações se desenvolve de
forma avassaladora, não se pode, a custa da evolução imanente, tolher dos
indivíduos o direito de receber, dos órgãos públicos ou empresas privadas que
exercem atividades tipicamente públicas, notícias emitidas por homens e mulheres
e não por aparelhos eletrônicos que jamais compreenderão os sentimentos
experimentados pelos usuários desagradados.
O direito à qualidade dos
serviços e produtos apresentados, de ciência plena das informações relevantes
no tocante à composição e condições de oferta e de cordialidade, eficiência e
presteza no atendimento, são indispensáveis ao cumprimento da ordem
constitucional de tutela plena ao consumidor.
A ineficiência dos serviços
prestados, além da natural insatisfação do consumidor, tem gestado um
sem-número de ações judiciais que buscam a devida reparação material e moral,
consectário das práticas ilegais das prestadoras. O Judiciário, como baluarte
derradeiro da proteção do consumidor, constitui-se porquanto no depositário da
esperança cidadã dos prejuízos nefastos experimentados diariamente pelos
usuários.
Os danos morais em face da
indevida inclusão nos cadastros de inadimplentes, após a demonstração clara do
pagamento, a busca da reparação material em razão da privação da utilização de
serviços essenciais e a proibição do corte arbitrário da oferta, são algumas
das ações mais comuns na busca da tutela do consumidor.
Espera-se, assim, que os órgãos
públicos responsáveis pela imposição das garantias mínimas ao consumidor e do
dever de qualidade do prestador possam assegurar o respeito devido aos usuários,
reféns de uma sociedade onde as ofertas crescem vertiginosamente, o que dá azo
a um consequente aumento dos riscos nas negociações. Isso exige uma postura
incisiva do Estado, que além de estabelecer regras rigorosas deve assegurar a
fiscalização efetiva de seu cumprimento e fixar penas compatíveis com o
potencial dos prejuízos gerados.
Jeferson Dytz Marin
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