Não é íntegro evocar o conhecimento numa prova de
aptidão que traduz o ápice de uma intelectualidade burra, refletida na
imposição da lembrança fotográfica da lei, sem qualquer compromisso com o saber
crítico e inventivo, verdadeiro esteio do desenvolvimento intelectivo do homem.
A última prova da OAB alcançou o recorde
de reprovação do Estado do Rio Grande do Sul. A segunda fase ocorreu no último
dia 1 de março. Na primeira fase, dos
4.922 inscritos, apenas 822 foram aprovados, redundando em 83,3% de reprovação,
ao menos antes do julgamento dos recursos apresentados.
O problema agrava-se na comparação com
os demais Estados que participam do exame unificado, já que o Rio Grande do Sul
amarga as últimas colocações. O primeiro colocado nesta etapa do exame foi o
Piauí, com índice de aprovação de 33%.
Não há dúvidas que o excesso de cursos interfere
no desempenho gaúcho. Hoje, são 34 instituições. Também a insuficiência do ensino
primário contribui para o desastre. Basta saber que, segundo o MEC, ao longo de
10 anos, as notas de Língua Portuguesa, disciplina essencial ao Direito, não
evoluíram. Enquanto a média de 1995 era de 188,3 (de zero a 500), em 2005
fechou em 172,3.
A remuneração dos professores é outro
aspecto decisivo. Enquanto na Coréia do Sul um professor aufere o equivalente a
R$ 10.000,00 por mês, no Brasil, é necessário brigar no STF para a fixação de
um piso inferior a R$ 1.000,00.
Ademais, das 159 mil escolas que o
MEC contabilizava em 2006, apenas 27,4% contam com uma biblioteca, revelando um
alarmante desprestígio aos livros, instrumentos educativos por excelência.
Por fim, a queda da qualidade dos cursos
de direito coroa o sintoma patológico crescente que a prova da OAB denota. Mas
o ponto nevrálgico parece habitar exatamente na natureza do teste e nas formas
de aferição do conhecimento eleitas.
Definitivamente, vivemos na era da velocidade e da
técnica. Bauman denominou modernidade líquida, face à fluidez da informação. Heidegger,
por sua vez, concebeu há muito a fase que o homem alcançaria no século XXI. A principal razão da sensação de tempo
acelerado se dá em face da mudança do conceito de espaço. Ou seja, a
comunicação on line afastou a
necessidade de se percorrer longas distâncias e trouxe a informação em tempo
real. A prova da OAB, os concursos públicos e
os processos seletivos em geral seguem essa lógica estereotipada.
Os certames objetivos cobram um
conhecimento calcado na memorização, na presença estática dos artigos de lei,
das súmulas dos tribunais e da jurisprudência sintomática.
Não há que se negar a clarividência do
estudo jurisprudencial, sem embargo, parece inarredável a ilação de que a
capacidade intelectiva exigida pelo exame de aptidão da OAB é robótica,
matematizada, voltada às certezas absolutas de Platão. Norte assaz distante do
conhecimento verossímel, arrimado na argumentação, que o Direito Moderno
reclama.
De fato, faz-se necessário um teste
rigoroso aos profissionais de todas as áreas, com o escopo de assegurar a
qualidade do mercado, reduzindo os riscos da contratação pelos tomadores dos
serviços.
Todavia, a OAB deve alimentar-se do
incentivo à dúvida que o coelho provocava em Alice no País das Maravilhas e não
na sua velocidade e afã reprodutivo, amantes da informação instantânea, mas
desqualificada e sem caráter instigativo.
Claro que o estudante eterno do direito
deve aprender a apartar-se do mundo das apetitosas futilidades do cotidiano.
Organizar o tempo e selecionar as informações na imensa teia que nos envolve é
o primeiro passo para a busca do conhecimento qualificado.
Contudo, enquanto agirmos como coelhos,
calcificados pela azáfama dos dias, mergulhados nas demandas crescentes,
seremos zumbis, embalsamados num casulo profissional que inuma a
individualidade e despersonaliza as relações.
É evidente a existência de informação em
abundância, contudo, o crescimento da letargia seletiva blinda o pretenso
caráter utilitário da evolução comunicativa.
Jeferson Dytz Marin
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