27 de jul. de 2013

A DUPLA FACE DA SOCIEDADE DE CONSUMO E SUA RELAÇÃO COM O MEIO-AMBIENTE SOB UMA PERSPECTIVA MARXISTA.


           O presente artigo analisa a dupla face da sociedade de consumo e sua relação com o meio-ambiente sob uma perspectiva marxista. Por um lado, o progresso é reflexo da sociedade de consumo, contribuindo, sobremaneira, para o acesso à saúde e novas culturas. De outro lado, propaga a disseminação do sujeito-coisificado que só subsiste enquanto consome, acarretando inestimáveis consequências ao meio-ambiente. A sociedade de consumo não pode continuar subjugando a Mãe Pachamama, visto que cada vez mais se mostra que o homem é dependente do meio em que vive, tendo a obrigação de desenvolver uma relação de bien vivir para com a natureza. É dizer, sob uma perspectiva marxista, reconhecendo o desenvolvimento político que assegure o progresso sem que este resulte na destruição do meio-ambiente.
       Os pensadores da filosofia jurídica e estudiosos do direito, em sua maioria de formação liberal interpretam que a justiça social se dá quando o ser consegue ser proprietário de um mínimo existencial. No entanto, o pensamento de Karl Marx acaba por flexibilizar o conceito de mínimo existencial, uma vez que adequaria os bens à necessidade de cada qual, pensamento retratado em seu pensamento “De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”. [1]
       Cada vez mais o homem-coisificado está muito mais preocupado em ostentar sua riqueza, dando vazão para o pensamento predominante da sociedade ocidental que privilegia a “reciclagem” constante de produtos, pois, se não o fizer, não é um verdadeiro cidadão da sociedade de consumo. 

Se considerarmos que a própria aglomeração urbana é per se fonte de poluição, uma vez que implica, no mínimo, em acúmulo de lixo e desmatamento, No entanto, o mais importante é que o capitalismo, por ser um sistema econômico voltado para o acúmulo de riquezas estimula o acúmulo constante de mercadorias. 
     Com um número crescente de indivíduos morando nas cidades, as indústrias produzindo em larga escala porque o mercado havia sido ampliado, a Revolução Industrial fez que fossem derrubadas matas sem a ponderação de consequências a longo prazo, também procurou desagregar os pequenos artesãos e as sociedades primitivas, eis que eram vistos como empecilhos para o novo tipo de “progresso” em ascensão. [2]  
        É desde então, com o desenvolvimento e crescimento do capitalismo que a natureza bruta deixa de existir e passa a dar lugar para um meio ambiente modificado, produzido pela sociedade moderna emergente. A harmonia do homem com a natureza passa a ser fator secundário, e passa a entendê-la como apenas mais um dos produtos que pode comprar pelo comércio. O capitalismo surgiu como reflexo decorrente do crescimento da população e da acumulação de capital das empresas que se expandiram, possibilitando a oferta de novos e variados produtos, incentivando uma cultura desenfreada pelo consumo através de anúncios publicitários cada vez mais bem elaborados por agências de publicidade. Nem sempre a sociedade se portou dessa maneira, preocupada cada vez mais com o ter do que o ser, pelo contrário, havia certeza e estabilidade na vida das pessoas. A forma de lidar com os problemas se dava, sobremaneira, de forma distinta, conforme aponta Gilles Lipovetsky: “As pessoas hoje pagam para correr, sendo que antes corríamos de graça. Antes, para nadar, íamos aos rios. Agora precisamos pagar para frequentar piscinas. Quando tínhamos problemas, falávamos com o padre, hoje falamos com o psicólogo. Conversar, pedir conselhos, virou consumo”. [3]
       Como dito, a sociedade de consumo possui uma dupla face, positiva e negativa, a primeira a saber, caracterizada pelo progresso, refletido em um leque de possibilidades culturais, sociais e econômicas propiciadas pelo poder de compra. Afinal, quem não quer possuir boas condições financeiras para viver de maneira saudável ou possuir condições financeiras para comprar um livro ou assistir uma peça teatral? A grande maioria das coisas que desejamos fazer demandam poder aquisitivo. O quadro em que se insere esse argumento é assim explanado por Gilles Lipovetsky: “É fácil criticar o consumo quando temos muito, mas os mais pobres aspiram ao consumo, pois ele significa progresso. As pessoas vivem melhor com boa saúde, e isso não pode ser desassociado do consumo, pois precisamos comprar remédios e ir ao médico para vivermos saudáveis. O consumo também é capaz de abrir um leque de possibilidades culturais. Por meio dele podemos conhecer o mundo e outras culturas, e isso nos ajuda a conhecer melhor a nós mesmos”. [4]  
        Desse modo, o consumo como face positiva pode ser visto como o poder de compra do indivíduo perante os bens essenciais necessários, que muitas vezes são solapados pelo próprio Estado, tais como o acesso aos alimentos saudáveis, a garantia de moradia digna e até mesmo roupas de qualidade. O poder de compra, carregado de sentido, é o que possibilita o acesso às necessidades básicas: saúde de qualidade, ensino para os filhos, boas roupas e uma alimentação digna com os componentes alimentares adequados. 
        A face negativa desse fenômeno pode ser observada pela necessidade de emoção que o homem-coisificado ostenta: a satisfação momentânea (e efêmera) que ocorre pelo consumo. Momentânea porque não supre, na essência, todas as suas necessidades, pois o homem-objeto está em constante (in) satisfação das suas necessidades volúveis. Conforme afirma o filósofo Gilles Lipovetsky, “a relação dos consumidores é cada vez mais uma relação emocional com as marcas que os fazem sonhar, e isso dá origem a um prazer muitas vezes tão intenso que parece durar para sempre”. [5]
         Essa visão negativa sobre a sociedade de consumo é acompanhada pela constante “reciclagem” que é feita dos produtos de consumo, em especial, os eletrônicos, gerando o fenômeno da obsolescência programada [6], não porque acabara a vida útil dos aparelhos, mas sim porque o consumo surge como um sistema feito para elaborar produtos para não durarem, gerando um lucro ainda maior aos fabricantes, e causando prejuízos ao meio-ambiente e de certo modo aos consumidores. Muito embora a possibilidade de catástrofe ecológica seja menos imediata que o risco de uma grande guerra, suas consequências são igualmente perturbadoras, como afirmou Anthony Giddens. [7]

      O homem do século XXI reveste-se de uma capa de Rei (embora sobressalientes as orelhas de Midas), delirando que possa dominar a tudo e a todos, por submissão ao poder, ou seja, ao dinheiro. No entanto, cada vez mais a Natureza tem demonstrado que não é ela dependente do homem, mas que a relação é, de fato, contrária: o homem, quando a natureza desestabiliza-se minimamente, sofre consequências que nem o dinheiro consegue comprar: as catástrofes causam mortes, que não podem ser negociáveis com Caronte. Aliado ao mesmo sistema que sistematiza as relações entre os seres, que extrai da natureza noite e dia, com máquinas, com homens que só sabem fazer um único ato por toda vida (como os montadores, no filme de Chaplin), em que tudo e todos são reduzidos a um valor, há toda natureza que já foi usada e descartada, cujo “suco” já foi extraído, processado e engarrafado, ferida. Entre o barulho das máquinas avilta o grito uníssono e desesperado da natureza, milhões de seres humanos por respeito aos mecanismos de vida. O meio-ambiente não durará para sempre. O estado de exaustão da Mãe Terra já ultrapassou o limite do aceitável, e cada dia que passa a situação se agrava. Zizek fala, com razão, que um dos quatro cavaleiros do apocalipse é a crise ecológica. [8] Esse é o cenário que temos, mas é sempre possível buscar a reversão da história a partir de uma mudança profunda, que privilegie a ideia marxista de co-pertença entre homem e meio ambiente, e um bom começo para isso é a redução no consumo de recursos. [9]
       A concepção do sumak kawsay nada mais é que um discurso de resistência alternativo ao modo capitalista, privilegiando um bem viver pensado para todos, com origem na ética indígena de harmonia entre o ser humano e a natureza. Deve haver um equilíbrio entre o meio-ambiente e a sociedade de consumo, isto a fim de que ao mesmo tempo em que seja propiciado o atendimento às necessidades humanas, não se promova o retrocesso de uma sociedade de consumo preocupada unicamente com o lucro a qualquer preço, promovendo condições para a reconciliação entre os seres humanos e a natureza, em uma relação harmônica, onde o progresso passa a ser compreendido sem que este resulte na destruição do meio-ambiente, exigindo o rompimento com os postulados do desenvolvimento capitalista. 
     Diante das considerações tecidas no decorrer do presente artigo, chegamos à conclusão que é urgente que o homem promova uma mudança de dentro pra fora, isto é, da consciência interna para à ação, que não se subsume tão somente a construção teórica, mas também, uma construção fática, cotidiana, solidária, refletindo sobre a necessidade de proporcionar um futuro às presentes e futuras gerações o que só será possível pelo engajamento conjunto, e pela presença cada vez mais constante de uma consciência ambiental que privilegie uma visão ética e harmônica de respeito ao meio-ambiente.


                                Camila Paese Fedrigo e Débora Bós e Silva



[1] MARX, Karl. O capital. Crítica da economia política. 18.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 18. 
[2] Aliás, o pensamento de que a vivência humana era o “valor-fonte” de todas as coisas é bastante difundida por Miguel Reale, grande entusiasta do Movimento Integralista Brasileiro. Note-se que o autor olvida que o ser humano como pessoa, embora de elevado valor social e moral, possui tal valor condicionado, eis que a Terra continuaria a existir mesmo sem a presença humana. 
[3] LIPOVETSKY, Gilles. O brasileiro tem paixão pelo luxo. [Entrevista]. ISTOÉ independente. Disponível em: <http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/228717_O+BRASILEIRO+TEM+PAIXAO+PELO+LUXO+. Acesso em: 24 abr. 2013. 
[4] LIPOVETSKY, Gilles. O brasileiro tem paixão pelo luxo. [Entrevista]. ISTOÉ.independente. Disponível em: <http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/228717_O+BRASILEIRO+TEM+PAIXAO+PELO+LUXO+. Acesso em: 24 abr. 2013. 
[5] LIPOVETSKY, Gilles; ROUX, Elyette. O luxo eterno. Da idade do sagrado ao tempo das marcas. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2005. p. 19. 
[6] Como reportamo-nos ao outro artigo de nossa autoria (Os reflexos da obsolescência programada no meio-ambiente), a obsolescênia programada é um fenômeno que tem como objetivo evitar a saturação do mercado, impedindo que o mercado permaneça estático. Contudo, tal fenômeno possui reflexos no meio-ambiente, entre os quais o lixo tecnológico, onde a troca cada vez mais constante de produtos, gera a descartabilidade, contaminando o solo com substâncias prejudiciais ao homem e ao meio-ambiente. 
[7] GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1991. p. 172. 
[8] ZIZEK, Slavoj. Vivendo no fim dos tempos. Tradução de Maria Beatriz de Medina. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 221. 
[9] Ibidem, p. 220.

11 de jul. de 2013

PÁTRIA AMADA IDOLATRADA: SALVE, SALVE!

Surrealismo de Salvador Dalí

O jovem de hoje é extremamente pragmático. A chamada “geração Y” não carrega as bandeiras daqueles, que, em 70, combateram a ditadura militar. A democracia foi conquistada e é uma realidade. Os instrumentos de participação direta existem e estão à disposição da população, contudo, nas assembléias dos planos diretores encontram-se três ou quatro gatos pingados, os conselhos dos municípios não registram participação efetiva, enfim, não se tem consciência institucional de composição popular decisional. Mas os que vão às ruas não querem ser estatizados, fogem do institucional. Gritam para mudar o “seu cotidiano”! O poder público não entende que a vida do brasileiro realmente está melhor, o poder aquisitivo é outro, o desemprego baixou, a linha da miséria extrema diminuiu, mas a forma de fazer política é a mesma e a qualidade dos serviços públicos continua deplorável. A democracia é uma realidade mas o sistema político se liquefez. O Estado está corroído pela corrupção, que lança suas garras mordazes em todas as estruturas. Não há aparato normativo para combater a malversação dos recursos públicos, especialmente nas licitações, facilmente fraudáveis e reféns dos monopólios e conchavos de setores estratégicos da economia. O Congresso não representa o povo, mas os interesses setoriais de uma minoria. Os partidos multiplicam-se e não germinam da defesa de interesses da sociedade, mas sim de bandeiras personalistas de líderes que querem alcançar autonomia de poder. A maior manifestação da história recente do Brasil não propõe mudanças sistemáticas, nem tampouco uma alternativa à corrosão da democracia ou apresenta líderes explícitos. Muitos certamente não sabiam do que tratava a PEC 37 antes de que um atemorizado Congresso a derrubasse. A busca por saúde e educação de qualidade, o combate à corrupção e a indignação com os vultosos gastos com a Copa do Mundo só viraram pautas do movimento porque afetam a vida das pessoas, que não quer só comida, mas como diria Arnaldo Antunes, “quer dinheiro e felicidade, quer inteiro e não pela metade”. Passada a sensação de bem-estar oriunda do aumento de renda de 2010 e 2011, agora vem a indignação provocada pela total ausência de correspondência entre os serviços públicos oferecidos e uma das maiores cargas tributárias do mundo. Em suma, quem paga a conta é a população. E é por isso que o estopim das manifestações foi o combate às tarifas do transporte público. Porque elas afetam, diretamente, aqueles que, em “rede”, o grande motor da pós-modernidade, como já anteviu Manuel Castells, lançaram o “vem pra rua”. E enganam-se aqueles que vêem só alvos determinados. A depressão política que acomete a população parte da insatisfação individual, da preocupação com o futuro e do risco que o descontrole do Estado pode ocasionar, mas ataca a estrutura, o âmago de tudo aquilo que é institucionalizado e o modus operandi da política nacional. Trata-se de um movimento geneticamente anárquico, pois não possui uma célula mater. Nessa linha, tem-se tornado corrente o argumento de que a depredação do patrimônio público e privado é fruto de vândalos infiltrados. Efetivamente, penso que é. Todavia, o caráter difuso do movimento impede de cobrá-lo por tais atos, o que ocorreria naturalmente no caso de manifestações da sociedade civil formalmente representada, hipótese dos Sindicatos, ONGs e associações. Espera-se que a herança dessa fantástica manifestação de civismo despertado seja uma política mais transparente e próxima da sociedade, que tenha o diálogo como ferramenta inarredável e não a legitimação do agir idiotizado e perverso presente no rastro de destruição que se vê ruas.

Jeferson Dytz Marin