Surrealismo de Salvador Dalí |
O jovem de hoje é extremamente
pragmático. A chamada “geração Y” não
carrega as bandeiras daqueles, que, em 70, combateram a ditadura militar. A
democracia foi conquistada e é uma realidade. Os instrumentos de participação
direta existem e estão à disposição da população, contudo, nas assembléias dos
planos diretores encontram-se três ou quatro gatos pingados, os conselhos dos
municípios não registram participação efetiva, enfim, não se tem consciência
institucional de composição popular decisional. Mas os que vão às ruas não querem ser estatizados, fogem do
institucional. Gritam para mudar o “seu cotidiano”! O poder público não
entende que a vida do brasileiro realmente está melhor, o poder aquisitivo é
outro, o desemprego baixou, a linha da miséria extrema diminuiu, mas a forma de
fazer política é a mesma e a qualidade dos serviços públicos continua
deplorável. A democracia é uma realidade mas o sistema político se liquefez. O
Estado está corroído pela corrupção, que lança suas garras mordazes em todas as
estruturas. Não há aparato normativo para combater a malversação dos recursos
públicos, especialmente nas licitações, facilmente fraudáveis e reféns dos
monopólios e conchavos de setores estratégicos da economia. O Congresso não
representa o povo, mas os interesses setoriais de uma minoria. Os partidos
multiplicam-se e não germinam da defesa de interesses da sociedade, mas sim de
bandeiras personalistas de líderes que querem alcançar autonomia de poder. A
maior manifestação da história recente do Brasil não propõe mudanças
sistemáticas, nem tampouco uma alternativa à corrosão da democracia ou
apresenta líderes explícitos. Muitos certamente não sabiam do que tratava a PEC
37 antes de que um atemorizado Congresso a derrubasse. A busca por saúde e
educação de qualidade, o combate à corrupção e a indignação com os vultosos
gastos com a Copa do Mundo só viraram pautas do movimento porque afetam a vida
das pessoas, que não quer só comida, mas como diria Arnaldo Antunes, “quer dinheiro
e felicidade, quer inteiro e não pela metade”. Passada a sensação de bem-estar
oriunda do aumento de renda de 2010 e 2011, agora vem a indignação provocada
pela total ausência de correspondência entre os serviços públicos oferecidos e
uma das maiores cargas tributárias do mundo. Em suma, quem paga a conta é a
população. E é por isso que o estopim das manifestações foi o combate às
tarifas do transporte público. Porque elas afetam, diretamente, aqueles que, em
“rede”, o grande motor da pós-modernidade, como já anteviu Manuel Castells,
lançaram o “vem pra rua”. E enganam-se aqueles que vêem só alvos determinados.
A depressão política que acomete a população parte da insatisfação individual,
da preocupação com o futuro e do risco que o descontrole do Estado pode
ocasionar, mas ataca a estrutura, o âmago de tudo aquilo que é
institucionalizado e o modus operandi
da política nacional. Trata-se de um movimento geneticamente anárquico, pois não
possui uma célula mater. Nessa linha, tem-se tornado corrente o argumento de
que a depredação do patrimônio público e privado é fruto de vândalos
infiltrados. Efetivamente, penso que é. Todavia, o caráter difuso do movimento
impede de cobrá-lo por tais atos, o que ocorreria naturalmente no caso de
manifestações da sociedade civil formalmente representada, hipótese dos
Sindicatos, ONGs e associações. Espera-se que a herança dessa fantástica
manifestação de civismo despertado seja uma política mais transparente e
próxima da sociedade, que tenha o diálogo como ferramenta inarredável e não a
legitimação do agir idiotizado e perverso presente no rastro de destruição que
se vê ruas.
Jeferson Dytz Marin
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