As
realidades, constantes no nosso conviver, desviam a atenção de determinados
acontecimentos paradigmas. Estamos enraizados a uma perspectiva que se torna
difícil enxergar por sobre o pequeno muro frente ao qual se está. E, ainda, há
os que não tem por pretensão desanuviar essa bruma que nos envolve. Não é um
caso comum o pensar. Mas isso não é escusa, temos que agir; que seja até pelo pensamento.
É o caso no
âmbito jurídico também, estamos habituados a interpretar uma norma em lei
positivada e por vezes esquecemo-nos de aplicar, tanto sobre a interpretação
como sobre a possível revogação do dispositivo legal, as noções morais que não
mudam e se mantém, quando corretas. Não que se queira levar para um sentido
deontológico extremo, mas tomando um exemplo e mantendo-o até o fim, sabemos
que a escravidão dos negros, prática tão difundida até o final do século XIX no
nosso país, estava regulamentada e permitida tanto pelo costume e pelo cânone
religioso como pela lei.
Com efeito,
se uma lei pode estipular uma prática tão agressiva quanto absurdamente
ridícula, que confiança podemos depositar nas normas que retiramos de seus
dispositivos, quando sabemos que o sistema é falho e o positivismo não é uma
verdade absoluta?
Independente
de a lei daquele século, editada de forma legitimada, corresponder às
necessidades do Brasil, seja por costumes ou apelos da economia, nada disso faz
com que se esqueça de constantes morais universais, leis que ultrapassam o
positivismo para agir sobre um plano superior, de ideias que planam sobre a
ética e a moral. Assim mesmo determinou Rousseau (2013, p. 27) quando afirmou
que “nenhum homem tem uma autoridade natural sobre seu semelhante e (...) a
força não produz nenhum direito”.
Seria uma
grande mentira negarmos que há conceitos que quando verificados em conformidade
levam a conclusão que um ser humano, independente de sua cor, jamais possa ser
uma propriedade, isso porque ele é dotado da mesma humanidade da qual o próprio
analisador se encontra, excluindo-se sua história particular.
Assim, se uma
lei pode cometer uma grande injustiça, que seja a menor de todas as injustiças
(que sempre no curso do atual positivismo haverão de existir),
independentemente de corresponder ao tempo para o qual ela é formulada. Porque,
embora o passar de épocas, a escravidão sempre foi uma prática e, excedendo os
costumes, evidencia-se que dela nada se extrai de justo.
Ademais,
sabendo-se que são as leis um sistema falho para resolver os conflitos de uma
sociedade, resta saber quando haverá o livramento do condicionamento extremo à
uma fonte formal que dificilmente solucionará o Direito em maior completude.
Afinal, não haveriam de ainda existir escravos?
Augusto Antônio Fontanive Leal