11 de mai. de 2014

O BRASIL DE MIL BRAZIS




Buscando o mar azul, encontrei a humildade, a gentileza, o sofrimento e a criatividade de um povo miseralizado pela política do cangaço.

Mas o Nordeste não é mais o mesmo... A inteligência, a visão empreendedora e a necessidade de busca de espaço, provocada pelo sufocamento da mercancia na Europa, fez com que os gringos tomassem conta do Ceará. Eles desvelaram o que os brasileiros não viram. Os investimentos europeus e o desenvolvimento alcançado pelo nordeste contrasta com soldo de fome pago aos nativos, por vezes inferior ao salário mínimo.

O mosaico cultural que arquiteta cada face do Brasil reúne um rico manancial de rostos, cores, jeitos, crenças, falas e formas.

A extensão do país impede a identificação planificada da cultura nacional, constituindo uma diversidade de brazis num só Brasil.

O verão traz consigo a possibilidade de contato com os cheiros e gostos que refogem ao cotidiano que nos minimiza diariamente. Sol doutras matizes, ventos distintos do minuano ou da brisa da serra gaúcha, belezas fortuitas, a pobreza tupiniquim de sempre, sujeitos voluntariosos.

O ar quase sem peso das duas da tarde, a respiração calada da areia, o caráter ensimesmado dos coqueiros. A solidão dos guardas-sóis de palha pela manhã, o jegue como bastião de um sertão valente que sugere soluços involuntários e entrecortados, para que depois os legatários de lampião e Maria Bonita desatem, sentindo que algo tumefato e doloroso arrebenta em seu interior.

A dor cálida e inocente da abreviação da vida, do esquecimento dos passos, da descoberta precipitada, espelhada na prostituição infantil, que aguça a sede mórbida dos gringos em cada esquina.

A fome de pão, a fome de crack, a vontade combalida, a vida curta, a ausência de desejo pelo porvir e o surpreendente afã de alegria que toma as crianças pedintes, faz brotar uma tristeza estática, incapaz, que dolorosamente se revela quase soporífera.

O contraste das agruras dos vendedores de artesanato com as possibilidades extenuantes das famílias que lotearam a política nordestina, com seus móveis vieneses, seus cristais da boêmia e imensa variedade de toalhas de renda richelieu e bordados renascença.

O mundo quimérico que brota do corpo diáfano e dos olhos grandes e repousados das crianças de rua.

O suores, suspiros e o mar de lodo que impregna o ar carregado das alcovas que abrigam o fim tenro da inocência, aos dez, onze anos de idade.

O gosto doce da brisa e a humildade quase servil de um povo que parece imitar o mar, quando as ondas encontram a paz, alcançando pacientemente a areia.

A região metropolitana de Fortaleza, tomada pelos euros dos portugueses, espanhóis, holandeses, italianos e até poloneses. A descoberta do ovo do colombo dá ensejo a um neo-colonialismo, já que, no mais das vezes, os investimentos retornam à Europa e o Brasil fica relegado à quintal de exploração.

Os casamentos entre europeus e brasileiras tornaram-se comuns e o intercâmbio entre os países é testemunhado até pelo garçom Domingos, de malas prontas para Portugal, onde será responsável pela tutela de um estaleiro, pertencente a um “amigo-cliente”.

No mais, aos desavisados que vinculam o nordeste apenas às agruras eternas do sertão, imprescindível chamar atenção para a riqueza cultural e o caráter inventivo  da literatura de cordel e dos espetáculos de humor. Além, é claro, de “Sertões”, “Morte e Vida Severina”, “Grande Sertão Veredas”, “Iracema”, “Sargento Getúlio”, só para citar algumas obras primas da literatura inspiradas no nordeste. Também é um dos maiores celeiros de escritores do país e pariu, dentre outros literatos, José de Alencar, João Cabral de Melo Neto, João Ubaldo Ribeiro, Jorge Amado e o jurista alagoano Pontes de Miranda.

Além disso,  traz a gastronomia farta por alguns trocos, que contempla toda a sorte de frutos do mar, externada no cunho imperial da lagosta, no sabor firme o pargo e do sirigado e na informalidade voraz do caranguejo toc-toc.

O nordeste do mar, do horizonte largo das dunas, da fome, do desenvolvimento crescente, dos europeus, das empresas gaúchas que se foram... O nordeste dos sabores, do gingado do forró, do improviso sábio dos repentes, do humor refinado, da arte de viver com pouco.

Jeferson Dytz Marin

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