Buscando o mar
azul, encontrei a humildade, a gentileza, o sofrimento e a criatividade de um
povo miseralizado pela política do cangaço.
Mas o Nordeste
não é mais o mesmo... A inteligência, a visão empreendedora e a necessidade de
busca de espaço, provocada pelo sufocamento da mercancia na Europa, fez com que
os gringos tomassem conta do Ceará. Eles desvelaram o que os brasileiros não
viram. Os investimentos europeus e o desenvolvimento alcançado pelo nordeste
contrasta com soldo de fome pago aos nativos, por vezes inferior ao salário
mínimo.
O mosaico
cultural que arquiteta cada face do Brasil reúne um rico manancial de rostos,
cores, jeitos, crenças, falas e formas.
A extensão do
país impede a identificação planificada da cultura nacional, constituindo uma
diversidade de brazis num só Brasil.
O verão traz
consigo a possibilidade de contato com os cheiros e gostos que refogem ao
cotidiano que nos minimiza diariamente. Sol doutras matizes, ventos distintos
do minuano ou da brisa da serra gaúcha, belezas fortuitas, a pobreza tupiniquim
de sempre, sujeitos voluntariosos.
O ar quase sem
peso das duas da tarde, a respiração calada da areia, o caráter ensimesmado dos
coqueiros. A solidão dos guardas-sóis de palha pela manhã, o jegue como bastião
de um sertão valente que sugere soluços involuntários e entrecortados, para que
depois os legatários de lampião e Maria Bonita desatem, sentindo que algo
tumefato e doloroso arrebenta em seu interior.
A dor cálida e
inocente da abreviação da vida, do esquecimento dos passos, da descoberta
precipitada, espelhada na prostituição infantil, que aguça a sede mórbida dos
gringos em cada esquina.
A fome de pão,
a fome de crack, a vontade combalida, a vida curta, a ausência de desejo pelo
porvir e o surpreendente afã de alegria que toma as crianças pedintes, faz
brotar uma tristeza estática, incapaz, que dolorosamente se revela quase
soporífera.
O contraste
das agruras dos vendedores de artesanato com as possibilidades extenuantes das
famílias que lotearam a política nordestina, com seus móveis vieneses, seus
cristais da boêmia e imensa variedade de toalhas de renda richelieu e bordados
renascença.
O mundo
quimérico que brota do corpo diáfano e dos olhos grandes e repousados das
crianças de rua.
O suores,
suspiros e o mar de lodo que impregna o ar carregado das alcovas que abrigam o
fim tenro da inocência, aos dez, onze anos de idade.
O gosto doce
da brisa e a humildade quase servil de um povo que parece imitar o mar, quando
as ondas encontram a paz, alcançando pacientemente a areia.
A região
metropolitana de Fortaleza, tomada pelos euros dos portugueses, espanhóis,
holandeses, italianos e até poloneses. A descoberta do ovo do colombo dá ensejo
a um neo-colonialismo, já que, no mais das vezes, os investimentos retornam à
Europa e o Brasil fica relegado à quintal de exploração.
Os casamentos
entre europeus e brasileiras tornaram-se comuns e o intercâmbio entre os países
é testemunhado até pelo garçom Domingos, de malas prontas para Portugal, onde
será responsável pela tutela de um estaleiro, pertencente a um “amigo-cliente”.
No mais, aos
desavisados que vinculam o nordeste apenas às agruras eternas do sertão,
imprescindível chamar atenção para a riqueza cultural e o caráter inventivo da literatura de cordel e dos espetáculos de
humor. Além, é claro, de “Sertões”, “Morte e Vida Severina”, “Grande Sertão
Veredas”, “Iracema”, “Sargento Getúlio”, só para citar algumas obras primas da
literatura inspiradas no nordeste. Também é um dos maiores celeiros de
escritores do país e pariu, dentre outros literatos, José de Alencar, João
Cabral de Melo Neto, João Ubaldo Ribeiro, Jorge Amado e o jurista alagoano
Pontes de Miranda.
Além
disso, traz a gastronomia farta por
alguns trocos, que contempla toda a sorte de frutos do mar, externada no cunho
imperial da lagosta, no sabor firme o pargo e do sirigado e na informalidade
voraz do caranguejo toc-toc.
O nordeste do
mar, do horizonte largo das dunas, da fome, do desenvolvimento crescente, dos
europeus, das empresas gaúchas que se foram... O nordeste dos sabores, do
gingado do forró, do improviso sábio dos repentes, do humor refinado, da arte
de viver com pouco.
Jeferson Dytz Marin
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