A proposta do presente artigo é enfrentar
especificamente as tutelas de urgência (antecipada e cautelar) e de evidência no
Novo Código de Processo Civil. Gostaria de ressaltar que serei aqui apenas um
porta voz, um instrumento, de um grande processualista, doutrinador, professor
e polemista. Mas, acima de tudo, de um advogado combativo, aguerrido e sem
igual, que exercia o ofício de maneira intelectualizada e artesanal,
distintamente do perfil industrial, do modelo fordista no qual a advocacia está
mergulhada hoje. Falo de Ovídio Baptista da Silva, a quem devo quase tudo que
sei de Processo Civil. Alguém com quem tive o privilégio de conviver e,
especialmente, muito aprender. Trata-se, portanto, de resgatar a contundência
de sua fala e a esperança de sua vida
O NCPC abarca a tutela antecipada e a
tutela cautelar sob o signo da Tutela Provisória. Aqui, na nomenclatura, parece
residir um dos equívocos do NCPC, pois a característica da provisoriedade só
acompanha a tutela antecipada, mas não a tutela cautelar, que tem caráter
temporário, pois protege, assegura direitos.
O NCPC pressupõe a valorização da
verossimilhança, dos juízos de “quase certeza”, que, hoje, influenciam o
direito e podem torná-lo eficaz, a partir da superação da relação incestuosa
com o contraditório e a ampla defesa. É isso e só isso que poderá tornar o
processo eficaz e fazer com que ele perca a característica de notória indolência
que registra atualmente. Aqui, cabe referência à herança irreparável de Ovídio
Baptista da Silva, que criticava a ordinarização do Processo Civil, o apego
excessivo ao rito, por estar ele embebido no direito romano cristão, que tinha
na condenacio o
grande símbolo. A condenação, infelizmente, ainda é o grande mote do processo
contemporâneo.
É fundamental sublinhar o que tanto o CPC
de 1939, quanto o de 1973, bem como boa parte das reformas processuais que
estão sendo propostas com o NCPC aviventam a herança do processo romano-cristão,
ordinarizado, amante da prova e temeroso da adoção da cognição sumária. Ovídio
Baptista, aliás, propõe a retomada
dos interditos, oriundos do direito romano tardio, clássico, valorizando as
obrigações de fazer e a mandamentalização, hoje, extremamente esquecida, tanto
que, como categoria da ação, é alijada pela maioria dos processualistas, que
rejeitam a teoria quinaria de Pontes de Miranda, alinhando-se à concepção gestada
por Liebman.
Também no processo, portanto, não é a lei
que muda paradigmas, mas sim a transformação cultural. Para combater essa
ineficiência da ação condenatória e o fato de consagrarmos a sua cisão com a
execução, temos alguns instrumentos. Existe, contudo, uma aplicação pífia de
tais alternativas, que apenas amenizariam, timidamente, a ineficácia da ação
condenatória. São eles: Cautelar de sequestro; Cautelar de arresto; Cautelar de
protesto contra alienação de bens; Tutela antecipada nas obrigações de fazer; Hipoteca
Judicial; Constituição de capital; Tutela antecipada geral e a nova tutela de
evidência. E, ainda, os chamados instrumentos de estandardização da causa, que,
na verdade, embora tenham sido criados sob o pálio da busca da eficácia, na verdade,
constituem uma tentativa perniciosa de “assassínio da causa”, estabelecendo uma
seletividade formal dos processos, em razão da avalanche de ações que acomete o
Poder Judiciário: a) Superpoderes do relator; b) Exame de admissibilidade dos
recursos especial e extraordinário; c) Repercussão Geral; d) Prequestionamento;
e) Sentença Preliminar.
Mas não há dúvida que o maior símbolo do
rompimento da herança da ordinarização, fruto do direito romano cristão, é a
valorização da tutela antecipada e o resgate da proposta original da tutela,
concebida pelo Prof. Ovídio. “A ideia
de antecipação do provimento de mérito em razão da prova razoável, da
verossimilhança do direito alegado”, o que parece estar espelhado em parte na
nova tutela de evidência prevista no NCPC, especialmente no art. 311, IV.
Mas passando-se à análise mais específica
das tutelas de urgência e de evidência, necessário trazer à baila as teorias de
Calamandrei e Ovídio Baptista da Silva, a fim de compreendê-las e,
precipuamente, estabelecer os contornos da tutela antecipada, cautelar e de evidência
no NCPC.
No âmbito da TEORIA DAS CAUTELARES, Calamandrei define que “O processo cautelar tem a função de proteger
o principal”. “... prepara o
terreno para o procedimento definitivo”. “É processo a serviço do processo, não do direito material”. Já Ovídio Baptista da Silva insere a tutela cautelar no âmbito da simples
segurança. A função principal é
assegurar direitos, sem jamais satisfazer. Exclui da seara da tutela cautelar as ações satisfativas, superando
Calamandrei. Assim, havendo
antecipação de efeitos da sentença final, não há segurança, mas sim antecipação
de tutela com satisfação. A cautelar impõe a presença da “situação acautelanda,
no sentido de que “a cautelar protege o direito da parte e não o
processo principal”.
Diferentemente da tutela antecipada a
cautelar tem como requisito a temporariedade,
perdurando até o momento em
que durar a situação de perigo. Verbi
gratia, cautelar de arresto (para
Calamandrei, perduraria até o julgamento da condenatória e não até a inumação
do perigo, ou seja, a realização da penhora no cumprimento da sentença, como
sustenta Ovídio). Mas aqui é o instante que a parte mais precisará da cautelar,
a fim de evitar a venda do bem em razão da baixa da penhora? Parece,
claramente, assistir razão ao Prof. Ovídio. A cautelar objetiva, portanto, a
segurança da execução.
Já o NCPC exclui
as cautelares nominadas, estabelecendo requisitos gerais para a tutela cautelar.
Mantém a necessidade de ajuizamento da ação principal em 30 dias, portanto, a
vinculação procedimental permanece, desprestigiando-se a tese da autonomia
cautelar, defendida por Ovídio Baptista da Silva há mais de quatro décadas.
Nessa esteira, a cautelar pode ser requerida em CARÁTER ANTECEDENTE, quando
será dotada de AUTONOMIA PROCEDIMENTAL. Agora, quando requerida
INCIDENTALMENTE, no transcurso da lide, será deduzida nos próprios autos.
A mudança é
positiva, mas fica mantida a teoria de Calamandrei em relação à existência de
cautelares satisfativas e a proteção do processo principal, não dos direitos da
parte, como quer Ovídio Baptista da Silva, pois não se regulamenta a AUTONOMIA
DAS AÇÕES CAUTELARES.
O NCPC também
está equivocado em relação ao fato de não admitir a cautelares autônomas, como
pode ocorrer, por exemplo, com a cautelar de asseguração de prova (no NCPC,
regulada nos arts. 381 a 383, na parte que trata do Direito Probatório).
Já no que toca à
TUTELA ANTECIPADA, cabe requerimento de forma antecedente (o autor
deduzirá na inicial apenas os fundamentos para concessão da tutela de urgência
e, posteriormente, aditará a inicial, em 15 dias, exaurindo os fundamentos para
procedência da ação (art. 303, parágrafo primeiro, inciso I) ou incidental. Claro,
também poderá ser requerida no bojo da ação ajuizada, como costumeiramente
ocorre hoje. O que gera o maior impacto, seguramente, é a possibilidade de
interposição de uma ação autônoma apenas com o propósito de requerer a tutela
antecipada ou de evidência, o que, atualmente, só ocorre com a cautelar.
A tutela
antecipada, portanto, antecipa efeitos da sentença final; satisfaz o direito da
parte; chamada pelo NCPC de TUTELA PROVISÓRIA SATISFATIVA. Tem como
característica a provisoriedade (deve ser mantida até a decisão que
eventualmente a revogue e não até que perdure a situação de perigo, como
ocorre com as cautelares, que tem caráter de temporariedade). Busca execução
para segurança.
O NCPC
estabelece como requisitos gerais para a concessão das TUTELAS DE URGÊNCIA
(antecipada e cautelar), em seu art. 300: a) a probabilidade do direito; b)
perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
Já as formas de concessão pelo juízo (da tutela
antecipada e de evidência), são: a) sem a oitiva da parte adversa; b) com a
oitiva da parte adversa; c) mediante designação de audiência de justificação prévia;
d) mediante exigência de caução.
Vale destacar
ainda a estabilização do provimento,
baseada na référé francesa. O
art. 304 do NCPC prevê que, se a decisão que conceder a tutela antecipada não
for atacada (recurso de agravo de instrumento), seus efeitos tornar-se-ão
estáveis. Contudo, o parágrafo segundo do mesmo artigo prevê que a parte
poderá, em até dois anos, ajuizar ação autônoma para rever a decisão. A decisão
que concede a tutela antecipada, ao contrário do que afirmam alguns
doutrinadores, no meu entendimento é “com julgamento de mérito”. Vale ressaltar
que a estabilização só se aplica à tutela antecipada antecedente. A coisa julgada, assim, reveste sim a
decisão, todavia, a plena estabilidade só será alcançada contados dois anos da
ciência dessa sentença. Haverá coisa julgada formal antes do esgotamento do
prazo para interposição da ação autônoma e coisa julgada material após tal
prazo expirar.
Já no que toca à NOVA TUTELA DE EVIDÊNCIA, inicialmente, cabe apontar uma inadequação:
a nomenclatura. O termo de “evidência” provém do Direito Inglês e é empregado
largamente como sinônimo de “prova”. O NCPC, todavia, traz a terminologia para
designar “prova irrefutável”. Parece que a imposição inarredável de tal
requisito reduz significativamente o alcance de um instituto que deve ter o
claro propósito de emprestar mais efetividade ao processo, ao menos do ponto de
vista da designação.
O NCPC afasta o
requisito do “perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo” para a
Tutela de Evidência, presente apenas na tutela antecipada. Para sua concessão,
assim, basta a demonstração de “prova documental suficiente aos fatos
constitutivos do direito do autor”, o que, espera-se, pelas
características do instituto, receba da jurisprudência um tratamento firmado na
quase certeza, na proximidade da verdade e na verossimilhança do direito
alegado. Cuida-se da hipótese do inciso IV do art. 311, seguramente, a que
encerra o maior grau de novidade. Ainda, no inciso IV, vale ressaltar que
quando se tratar de fato notório, incontroverso, presumido ou confessado, o
requisito ali estabelecido ficará dispensado. E, por fim, que as demais
disposições da tutela
antecipada aplicam-se à tutela de evidência, especialmente no que toca à
‘Estabilização do Provimento”.
O NCPC será
editado num período peculiar da pós-modernidade. Vivemos premidos e calcificados pela azáfama dos dias; amordaçados pela
velocidade. Essa era do tempo atemporal transformou o direito numa prateleira
de supermercado, onde é possível escolher um procedimento que se amolde a uma
decisão que esquece do elemento humano, que olvida as pessoas que estão por
trás dos processos. Uma ciência humana esquecer do homem? O direito amolda-se
cada vez mais à linha de produção de uma fábrica. É esse quadro que se pretende
superar.
Jeferson Dytz Marin
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