A morte não muda as pessoas. Melhor ainda, a morte
não deve mudar a impressão que temos das pessoas. Margaret Thatcher, uma das
principais estadistas de toda a história, carregava consigo a disciplina dos
ingleses. Mas fica por aí... Criada numa família conservadora e que já
registrava participação política – seu pai, Alfred Roberts era dono de
mercearias, pregador metodista e vereador
– formou-se em Química em Oxford e em Direito, chegando a atuar nos tribunais
superiores como advogada tributarista.
Teve uma ascensão meteórica no Partido
Conservador, passando a integrar o parlamento em 1959, tornando-se, posteriormente,
primeira-ministra inglesa, primeira e única mulher a assumir o cargo na
Inglaterra.
Recentemente, o cinema retratou a história da
chamada “Dama de Ferro”, alcunha atribuída aos soviéticos, em razão de uma
frase emblemática de Thatcher: “os russos colocam as armas à frente de
manteiga, enquanto nós colocamos quase tudo antes das armas”. No filme que,
aliás, tem intrepretação singular de Meryl Streep, merecidamente contemplada
com o Oscar de melhor atriz, há uma evidente tentativa – como, aliás, ocorre na
maioria das películas biográficas – de humanizar a personagem.
Thatcher, na crista da onda anticomunista da Europa,
fortaleceu o neoliberalismo, modelo defensor do Estado mínimo, refém das
vicissitudes econômicas e franco opositor do Estado Social (Welfare State), o qual propõe uma plataforma
de direitos que resguardam o chamado “mínimo existencial” do cidadão, como a educação
pública de qualidade, a oferta de serviços públicos de saúde, previdência e
assistência social.
Todavia, quase tudo que protagonizou foi
catastrófico. Hoje, não há dúvidas, seria o principal alvo das críticas que
banham a Europa em contínuos movimentos sociais que atacam a raiz da crise econômica atual. Aliás, já em 1987, quando
perdeu o cargo de primeira-ministra, saiu do governo com um desgaste
acachapante, sem deixar saudades.
Seu governo neoliberal, que, no Brasil, teve como
principal representante Fernando Collor de Mello, protagonizou ações
deploráveis, que estão longe de representar eficiência na gestão das contas
públicas e preocupação autêntica com os interesses da população. Aliás, nem o
Estado enxuto e eficaz presente na cartilha neoliberal foi implementado, pois
as despesas públicas só aumentaram no seu governo. Além de gerar uma
impressionante taxa de desemprego – só no primeiro ano de mandato, ela já
superou a marca dos 3 milhões – , flertou com Pinochet, fazendo da ditadura chilena
uma espécie de franquia do modelo neoliberal inglês e defendeu o regime
sul-africano do apartheid, autor de um
dos mais deploráveis atos de preconceito da história. Ainda, sempre foi muito
próxima das monarquias totalitárias gestadas no petróleo do Oriente Médio e,
para finalizar, quiçá a maior de todas as blasfêmias em desfavor da
coletividade, já que para Thatcher “existem os indivíduos, mas não a sociedade”:
a criação de um tributo que passou a ser conhecido como poll tax, imposto regressivo que representava a antítese do que
hoje o Direito Tributário denomina extrafiscalidade ou realização de justiça
social na linha das exações do Estado com fulcro no princípio da capacidade
contributiva. O tributo criado pela inglesa propunha que os cidadãos que
ganhassem menos pagassem mais. Foi a gota d’água. Em 1987, ano da criação do
terrificante tributo, Thatcher – finalmente – deixou o cargo.
Apesar dos Tories,
herdeiros de Thatcher, ainda rezarem a cartilha da ex-primeira ministra, é
provável que a ideologia da Dama de Ferro seja banida definitivamente do
planeta com sua morte. Apesar de entender que Platão tenha sido conformisma
demais quando afirmou que a “contemplação é a mais elevada forma de atividade
humana”, ele deixou uma lição importante. Antes de pensar em “mudar o mundo” é
necessário compreendê-lo adequadamente. É nesse sentido que devemos perceber o
(não) legado de Thatcher, um afã econômico que naufragou.
Jeferson Dytz Marin
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