23 de abr. de 2013

A ESPÚRIA FACE DE UMA ERA.



A morte não muda as pessoas. Melhor ainda, a morte não deve mudar a impressão que temos das pessoas. Margaret Thatcher, uma das principais estadistas de toda a história, carregava consigo a disciplina dos ingleses. Mas fica por aí... Criada numa família conservadora e que já registrava participação política – seu pai, Alfred Roberts era dono de mercearias, pregador metodista e vereador – formou-se em Química em Oxford e em Direito, chegando a atuar nos tribunais superiores como advogada tributarista.

Teve uma ascensão meteórica no Partido Conservador, passando a integrar o parlamento em 1959, tornando-se, posteriormente, primeira-ministra inglesa, primeira e única mulher a assumir o cargo na Inglaterra.

Recentemente, o cinema retratou a história da chamada “Dama de Ferro”, alcunha atribuída aos soviéticos, em razão de uma frase emblemática de Thatcher: “os russos colocam as armas à frente de manteiga, enquanto nós colocamos quase tudo antes das armas”. No filme que, aliás, tem intrepretação singular de Meryl Streep, merecidamente contemplada com o Oscar de melhor atriz, há uma evidente tentativa – como, aliás, ocorre na maioria das películas biográficas – de humanizar a personagem.

Thatcher, na crista da onda anticomunista da Europa, fortaleceu o neoliberalismo, modelo defensor do Estado mínimo, refém das vicissitudes econômicas e franco opositor do Estado Social (Welfare State), o qual propõe uma plataforma de direitos que resguardam o chamado “mínimo existencial” do cidadão, como a educação pública de qualidade, a oferta de serviços públicos de saúde, previdência e assistência social.

Todavia, quase tudo que protagonizou foi catastrófico. Hoje, não há dúvidas, seria o principal alvo das críticas que banham a Europa em contínuos movimentos sociais que atacam a raiz da crise econômica atual. Aliás, já em 1987, quando perdeu o cargo de primeira-ministra, saiu do governo com um desgaste acachapante, sem deixar saudades.

Seu governo neoliberal, que, no Brasil, teve como principal representante Fernando Collor de Mello, protagonizou ações deploráveis, que estão longe de representar eficiência na gestão das contas públicas e preocupação autêntica com os interesses da população. Aliás, nem o Estado enxuto e eficaz presente na cartilha neoliberal foi implementado, pois as despesas públicas só aumentaram no seu governo. Além de gerar uma impressionante taxa de desemprego – só no primeiro ano de mandato, ela já superou a marca dos 3 milhões – , flertou com Pinochet, fazendo da ditadura chilena uma espécie de franquia do modelo neoliberal inglês e defendeu o regime sul-africano do apartheid, autor de um dos mais deploráveis atos de preconceito da história. Ainda, sempre foi muito próxima das monarquias totalitárias gestadas no petróleo do Oriente Médio e, para finalizar, quiçá a maior de todas as blasfêmias em desfavor da coletividade, já que para Thatcher “existem os indivíduos, mas não a sociedade”: a criação de um tributo que passou a ser conhecido como poll tax, imposto regressivo que representava a antítese do que hoje o Direito Tributário denomina extrafiscalidade ou realização de justiça social na linha das exações do Estado com fulcro no princípio da capacidade contributiva. O tributo criado pela inglesa propunha que os cidadãos que ganhassem menos pagassem mais. Foi a gota d’água. Em 1987, ano da criação do terrificante tributo, Thatcher – finalmente – deixou o cargo.

Apesar dos Tories, herdeiros de Thatcher, ainda rezarem a cartilha da ex-primeira ministra, é provável que a ideologia da Dama de Ferro seja banida definitivamente do planeta com sua morte. Apesar de entender que Platão tenha sido conformisma demais quando afirmou que a “contemplação é a mais elevada forma de atividade humana”, ele deixou uma lição importante. Antes de pensar em “mudar o mundo” é necessário compreendê-lo adequadamente. É nesse sentido que devemos perceber o (não) legado de Thatcher, um afã econômico que naufragou.

Jeferson Dytz Marin

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