11 de fev. de 2015

IDENTIDADE CULTURAL E LITERATURA: UMA HISTÓRIA DE CRONÓPIOS

 
 
O brasileiro, de fato, não põem dentre suas predileções o hábito da leitura. Os argentinos, uruguaios e chilenos, na América do Sul e os europeus em geral, dedicam boa parte da sua vida aos livros, companheiros de primeira hora, que estimulam o arcabouço cultural do indivíduo e seu poder criativo. É comum, nesses países, avistar pessoas nas praças, bibliotecas e cafés empunhando livros. No Brasil, esse é um fato raro.
Mas felizmente o número de leitores têm crescido, na medida em que diminui o número de analfabetos, em face da melhora dos índices de educação das últimas décadas. Contudo, nosso país ainda está assaz distante do paradigma ideal. As feiras do livro e o aumento de número de livrarias fortalecem a presença da leitura dentre a programação dos brasileiros, contudo, nosso país está muito longe de alcançar a consciência cultural da Europa e dos co-irmãos da América do Sul.
Apesar do avanço da velocidade da informação, da tecnologia trazida pela Internet, entendemos que os livros resistem bravamente pelas mãos e mentes daqueles de tem sede de cultura, fome de saber e encontram na literatura um autêntico “lugar de prazer”. Temos a certeza de que nada, nada substitui a nostalgia e o prazer propiciado pelos livros, com os quais todos devemos manter uma relação de afetividade. Como diria Luís Fernando Veríssimo, os livros não devem ser apenas lidos, devem ser acariciados, acarinhados. Cada livro representará uma passagem, um momento, um relato de convivências, de um período de angústias, de alegrias, de aspirações. Os livros são, portanto, a condição necessária da vivência cultural e têm memória, pois nos remetem ao passado e moldam nossa trajetória para o futuro.
Para os juristas, educadores, médicos, jornalistas, biólogos e tantos outros,  muito mais do que um emaranhado de laudas, os livros serão para sempre os grandes companheiros de lides profissionais e o retrato da identidade intelectual.
Como sentenciou Mário Quintana, o velho anjo poeta, certa feita, ao sugerir um cartaz para uma feira do livro “Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem”.
Freud disse que o que distingue o ser humano dos animais não é a razão, mas sim o desejo. Luis Alberto Warat, escritor cordobenho, inspirado em Jorge Amado e no romancista argentino Júlio Cortazar, ao escrever a “Ciência Jurídica e seus dois maridos”, arquiteta alguns personagens, num exercício metafórico que busca descrever os atores jurídicos de nosso tempo, num belo exemplo de literatura pulsante e criativa. Dentre esses personagens Warat resgata da semiologia cortaziana os famas e os cronópios.
Os famas são seres cinza acomodados, prudentes, amantes do cálculo, dos desejos lícitos. Embalsamam suas recordações e podem dizer o que vai acontecer a cada instante, porque para eles hoje é igual a ontem.Conseguem por no lugar cada coisa e cada coisa no seu lugar. Quando os famas tomam o poder, militarizam o cotidiano.
Os cronópios, doutra feita, são homens pluriformes e pluricromáticos, iconoclástas de espantosa riqueza inventiva, estranha poesia e humor adstringente. Vivem empenhados em redescobrir o amor pela vida, debochar do instituído e exercitar uma livre comunicação dos desejos. Os cronópios são imaginativos, submetidos ao domínio do coração. Cantam como as cigarras, indiferentes aos semi-suicidas coletivos do cotidiano e, quando cantam, esquecem tudo, até a conta dos dias.
Ser cronópio é conseguir viver o presente, não colocar o passado como futuro ou como impossibilidade de viver o momento.
Como a névoa que altiva cobre a serra, como o orvalho na relva, como a primavera em nossos olhos, deixemos a vida entrar por nossas entranhas e lembremo-nos, sempre, que os livros têm o condão de nos transportar e de acalentar nosso viver. Sejamos todos cronópios.
 
 
Jeferson Dytz Marin
 
 

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