27 de mar. de 2013

UNS MAIS IGUAIS QUE OS OUTROS.




Devemos nos sentir orgulhosos. Evoluímos a tal ponto que desenvolvemos geringonças capazes de nos proporcionar confortos antes inimagináveis. Carros que não suprem somente a necessidade de transporte, mas de status - frisa-se o status, porque muitas vezes um automóvel com um preço altíssimo proporciona o mesmo conforto de alguns mais acessíveis -, celulares capazes de fritarem ovos e televisores que reproduzem a realidade melhor do que ela mesma.

O problema é que, mesmo nos consumidores assíduos, possuidores da mais alta tecnologia humana desenvolvida, o sentimento de vazio é cada vez maior, desproporcional a quantidade de produtos adquiridos. Os corpos bonitos não refletem mais do que uma alma vazia, buscando um sentido.

Isso se deve ao fato de que nós, reles mortais, para adquirirmos todas inovações tecnológicas materiais que nos são oferecidas, despendemos tempo e forças inimagináveis, transformando nossas vidas em uma corrida onde não existe chegada, não existe prêmio, pois o caminho está errado, ele não leva além da linha da decepção e da frustração.

Claro que os magnatas, com suas nádegas sentadas em estofamentos produzidos por trabalhadores malasianos, são felizes. Eles possuem dinheiro suficiente para desfrutar aquilo que é o grande segredo da felicidade, o tempo para viver a vida. E, pode-se dizer mais, o tempo para viver a vida livre das preocupações materiais, uma vez que podem comprar o universo.

Adquirimos os produtos que eles consomem, queremos ser iguais, mas não temos o essencial, que é o tempo para desfrutar da criação divina, admirar as belezas terrenas sem noção de hora para ser feliz. Ao contrário, esse hábito nos leva a preencher o tempo pensando como pagar as prestações vencidas e vincendas, torcendo para que não lancem um produto mais moderno antes do final do mês.

A mídia, a propaganda e publicidade - grandes aliadas do carrasco consumista - eis que obtêm seu sustento quando o promovem, tornam-se peça chave nesse círculo vicioso em que caímos. Comparam as pessoas e zombam daquelas que possuem o mínimo, idealizando o ter como status.
Se você puder ser um milionário, ótimo, do contrário, busque outra utilidade para sua vida.
Qual a eficiência do consumo? Não se ganha um Nobel por possuir diversos equipamentos eletrônicos. Isso é a arte da vida sendo substituída pelo comportamento infantil da disputa: “- A porta da minha casa é maior que a sua”. Parabéns pela sua nova aquisição, você ganhou 36 parcelas para pagar, agora terá que ter breves intervalos para o almoço, sujeitando-se a trabalhos entediantes enquanto sua aquisição envelhece junto contigo.

Devemos voltar nossos esforços para a produção artística, buscando engrandecer a natureza humana, desenvolvendo atividades que realmente alimentam o espírito.

Todos queremos ser milionários, mas poucos conseguem. Isso não significa que o restante tem que viver sua vida miseravelmente. Precisamos ter em mente que é mais importante que todos tenham condições de viver dignamente, não que todos vivam no luxo. Você não vai ser um fracassado se não tiver um Iphone 5, mas sim se morrer sem ter dado sequer uma contribuição intelectual ou artística, algo que possa contribuir para a tranquilidade da alma humana, para nossos irmãos que choram pelo mundo, nossos filhos que carecem de atenção. Se você não der essa contribuição, você vai ser um fracassado.

A produção artística e intelectual, inclusive com foco no meio ambiente, além dos esportes, deve ser mais estimulada. O paradigma do consumismo precisa ser quebrado a qualquer custo, antes de nos tornarmos simples consumidores objeto. Uns mais desatualizados que os outros, com medo de perder a utilidade nessa embriagante e vazia sociedade de consumo.

Cassiano Scandolara Rodrigues

23 de mar. de 2013

A Monotonização do Tempo.

A Persistência da Memória, de Salvador Dalí.

Tempo, seguramente, é um dos principais protagonistas do período em que vivemos. Alguns o denominam “pós-modernidade”, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman chama de “modernidade líquida”, já Gilles Lipovetsky, pensador francês, prefere empregar “era do vazio”. Mas, independentemente da identidade que se queira dar ao tempo presente, o certo é que o tempo de hoje é um tempo distinto do tempo de outrora. O tempo newtoniano já não mais se aplica. Hoje, não falamos em “ocupar o tempo” ou “planejar o tempo”, mas sim em “falta de tempo”.

Corremos, buscamos, escolhemos o caminho mais curto... Procuramos, o tempo inteiro, tempo... E o curioso é que nossa vida é cada vez mais pensada, cronometrada, medida e pesada. Os filhos acordam, apanham uma van, saem cedo. Os pais, por vezes, saem depois (ou antes), retornam e, na corrida contra o tempo, o jantar tem de ser servido antes da novela – nada contra, apesar de pouco acompanhá-las, são um ícone da TV brasileira. Mas será que o tempo que tanto buscamos tem o propósito de bem empregar o tempo?

Não há dúvidas que planejamento é fundamental e que é necessário pensar a vida de forma minimamente ordenada, pois a agenda do mundo contemporâneo exige tal conduta. O “viver pós-moderno” impõe a imperiosa vida agendada previamente, o que reduz as surpresas, aumenta a previsibilidade e amordaça boa parte da doçura da vida. É o que podemos chamar de monotonização do tempo ou tempo “sem graça”. Claro que isso pode ser minimizado por uma escolha importante de nossas vidas: qual será nosso trabalho. Sim, pois passamos a imensa maioria do tempo trabalhando. Incluo-me, pois, considerando a atividade universitária, em regra vai-se boa parte dos três turnos do dia. Todavia, se nossa atividade profissional nos provocar tamanho prazer a ponto de que possamos afirmar que a desempenharíamos de graça, bom... Boa parte da monotonização da vida estará extirpada.

Mas aqui cabe dizer que prazer não é alegria. O prazer está representado em momentos e constitui um sentimento aplacável. Podemos sentir imenso prazer e, quando alcançamos nosso objetivo, ficamos satisfeitos, ao menos por um tempo. O prazer é fugaz, geralmente egoísta e, por vezes, até pérfido. Freud chamou-o de primeira “fome” do homem. Entretanto, a alegria é sublime, bela e leve. O prazer é o oráculo, o vulcão, o êxtase, o frio no estômago. A alegria é a vida, a serenidade, a paz. Melhor ainda, paradoxalmente, a nostalgia vivida no presente, não de forma intensa, mas calmamente sorvida. A vida é o “inédito viável” concebido por Paulo Freire.

Falo de prazer e alegria porque acredito que, para sermos felizes, 90% do nosso tempo deve ser preenchido por essas duas sensações. Quem não pensa assim, com o perdão da descortesia, integra o séquito de míopes que não vive para a vida, mas sim em prol de um legado que aqui ficará, pois não lhes acompanhará no túmulo. Precisamos, como disse Mário Sergio Cortella, “ver com olhos livres”.

O problema é que muitos dos seres humanos não conseguem viver o tempo do prazer e da alegria com plenitude e livre de culpas. Incluo-me. Vivo carcomido por uma montanha que encobre o sol, que policia minha consciência e impõe a ocupação frenética e constante do tempo. Esse vigilante soldado é o que Freud denominou superego, uma das grandes descobertas da psicanálise ao longo da história. Agora mesmo, escrevo o presente artigo no voo que retorna de São Paulo, em direção a Porto Alegre, numa sexta à noite, depois de dois dias intensos de trabalho na capital mais infernal e ao mesmo tempo arrebatadora do Brasil; como disse Caetano Veloso em Sampa, “quem vem de outro sonho feliz de cidade, aprende depressa a chamar-te de realidade, porque és o avesso do avesso do avesso do avesso”. Mais, o fechamento temporário do aeroporto ainda permitiu que respondesse os e-mails em atraso, concluísse um recurso de apelação e ainda colocasse em dia a leitura pendente do Rubem Alves; um livro fantástico que recomendo: Pimentas: Para Provocar um Incêndio, Não é Preciso Fogo, especialmente os capítulos intitulados Sobre a Função Cultural das Privadas e Saúde Mental.

De fato, sabemos muito pouco da espiritualidade oriental do taoísmo, que tem no wu-wi, na preguiça, no fazer nada, uma virtude. Não se trata de matar o tempo, mas de preenchê-lo com sabedoria e equilíbrio, pois, como disse Millôr Fernandes, “quem mata tempo não é um assassino, mas sim um suicida”.

Precisamos parar de medir nossa importância a partir do número de ligações que recebemos no celular. Todos temos medos, culpas e fantasmas. Especialmente medo da morte, que guarda com o tempo uma relação muitíssimo próxima. Mesmo os que pensam não temê-la a temem... Como bem disse Woody Allen, “não tenho medo da morte, apenas não quero estar lá quando isso acontecer”.

Cuidar do nosso tempo é cuidar da vida. É viver bem. É compreender por que estamos aqui, hoje. “Quero que todos tenham vida e vida em abundância”. Para os que creem, o autor da frase é o filho do homem, para os que não creem, uma figura notável, que viveu em Nazaré, chamado Jesus. Bom tempo a todos.


Jeferson Dytz Marin


O artigo foi publicado originalmente no JORNAL PIONEIRO, de Caxias do Sul, no dia 22/03/2013.


11 de mar. de 2013

A INDIGNAÇÃO E A TEORIA DA DECISÃO.



Quando se fala em teoria da decisão é impossível não lembrar de um sentimento característico ao operador de direito, o de “indignação”. Sensação essa que surge muitas vezes devido a uma decisão inadequada proferida pelo magistrado, diante de uma causa de relevante valor social.

Inadequada, pois preenchidos todos os requisitos necessários ao ingresso da demanda pela parte, que poderiam, de fato, redundar na procedência da lide, a decisão mostra-se totalmente inversa do esperado.

Na busca de entender os motivos que geraram a improcedência, vem a triste realidade: eles não existem. Pois não é possível encontrar nenhum relatório, nenhuma explicação que diga o que faltou para que o procedimento fosse julgado procedente. E é justamente diante da impotência perante uma decisão jurídica arbitrária, que não possui como fundamento o dever genético de prestação de contas, que o sentimento de indignação se intensifica.

Talvez, como na frase de Santo Agostinho: "A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las"; que muitos estudiosos do Direito se inspiram para mudar e reformular essa ciência secular. Quem sabe movidos pela indignação e coragem, muitos  dedicam-se a estudar o assunto como forma de tentar contribuir para solucionar o problema decisional.

E se essa é uma das grandes motivações que possuem, bendita seja a indignação, que em meio a uma realidade cruel é capaz de presentear a sociedade com um fruto fundamental, o da luta: a luta por uma decisão justa e democrática.

Grayce Kelly Bioen

4 de mar. de 2013

Decisões Democráticas.




A sociedade unida é a forma de construir uma democracia vitoriosa. Isso pelo fato da democracia gerar do conjunto de vontades dentre todos, uma decisão da maioria. É assim que, quanto mais pessoas estiverem unidas, a pretensão será mais forte e mais agradará.

É interessante exaltar o uso da democracia para a decisão judicial de algum caso, nela podendo o julgador decidir pelos anseios do povo, enquadrando toda a tradição e consenso populacional.

Importante ressaltar que uma decisão pode, ainda que democraticamente tomada, ser uma medida injusta, porque a vontade do povo por vezes está coberta pela midiatização e a ignorância gerada pela massa, um dos problemas da democracia (a condução de vontades – o caso da Maria vai com as outras).

Sabendo-se que a interpretação da lei deve ser feita de acordo com o sentido jurídico legítimo do texto legal e não uma extração literal do mesmo, é por meio da necessidade da sociedade que se poderá interpretar o desejado pelo legislador ao estabelecer a norma. O que pode ajudar a resolver outro problema – que não o da decisão justa-, que seria a diferenciação da vontade da lei e a vontade do legislador, por meio do que está de acordo com a democracia (Constitucional) ou não.

Ainda cabe referir que é claro que uma decisão judicial pode acarretar descontentamento para uma das partes, o que seria uma imposição desagradável para esta, mas se resolver o conflito sem prejuízo desarrazoado é porque esta parte realmente estava atravancando uma pretensão material justa de forma injusta. Assim, poderia se constatar que a decisão jurídica foi uma decisão democrática, estando então a parte perdedora da causa na minoria, devendo seguir unida com a sociedade e agregada pela maioria.

Augusto Antônio Fontanive Leal