23 de mar. de 2013

A Monotonização do Tempo.

A Persistência da Memória, de Salvador Dalí.

Tempo, seguramente, é um dos principais protagonistas do período em que vivemos. Alguns o denominam “pós-modernidade”, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman chama de “modernidade líquida”, já Gilles Lipovetsky, pensador francês, prefere empregar “era do vazio”. Mas, independentemente da identidade que se queira dar ao tempo presente, o certo é que o tempo de hoje é um tempo distinto do tempo de outrora. O tempo newtoniano já não mais se aplica. Hoje, não falamos em “ocupar o tempo” ou “planejar o tempo”, mas sim em “falta de tempo”.

Corremos, buscamos, escolhemos o caminho mais curto... Procuramos, o tempo inteiro, tempo... E o curioso é que nossa vida é cada vez mais pensada, cronometrada, medida e pesada. Os filhos acordam, apanham uma van, saem cedo. Os pais, por vezes, saem depois (ou antes), retornam e, na corrida contra o tempo, o jantar tem de ser servido antes da novela – nada contra, apesar de pouco acompanhá-las, são um ícone da TV brasileira. Mas será que o tempo que tanto buscamos tem o propósito de bem empregar o tempo?

Não há dúvidas que planejamento é fundamental e que é necessário pensar a vida de forma minimamente ordenada, pois a agenda do mundo contemporâneo exige tal conduta. O “viver pós-moderno” impõe a imperiosa vida agendada previamente, o que reduz as surpresas, aumenta a previsibilidade e amordaça boa parte da doçura da vida. É o que podemos chamar de monotonização do tempo ou tempo “sem graça”. Claro que isso pode ser minimizado por uma escolha importante de nossas vidas: qual será nosso trabalho. Sim, pois passamos a imensa maioria do tempo trabalhando. Incluo-me, pois, considerando a atividade universitária, em regra vai-se boa parte dos três turnos do dia. Todavia, se nossa atividade profissional nos provocar tamanho prazer a ponto de que possamos afirmar que a desempenharíamos de graça, bom... Boa parte da monotonização da vida estará extirpada.

Mas aqui cabe dizer que prazer não é alegria. O prazer está representado em momentos e constitui um sentimento aplacável. Podemos sentir imenso prazer e, quando alcançamos nosso objetivo, ficamos satisfeitos, ao menos por um tempo. O prazer é fugaz, geralmente egoísta e, por vezes, até pérfido. Freud chamou-o de primeira “fome” do homem. Entretanto, a alegria é sublime, bela e leve. O prazer é o oráculo, o vulcão, o êxtase, o frio no estômago. A alegria é a vida, a serenidade, a paz. Melhor ainda, paradoxalmente, a nostalgia vivida no presente, não de forma intensa, mas calmamente sorvida. A vida é o “inédito viável” concebido por Paulo Freire.

Falo de prazer e alegria porque acredito que, para sermos felizes, 90% do nosso tempo deve ser preenchido por essas duas sensações. Quem não pensa assim, com o perdão da descortesia, integra o séquito de míopes que não vive para a vida, mas sim em prol de um legado que aqui ficará, pois não lhes acompanhará no túmulo. Precisamos, como disse Mário Sergio Cortella, “ver com olhos livres”.

O problema é que muitos dos seres humanos não conseguem viver o tempo do prazer e da alegria com plenitude e livre de culpas. Incluo-me. Vivo carcomido por uma montanha que encobre o sol, que policia minha consciência e impõe a ocupação frenética e constante do tempo. Esse vigilante soldado é o que Freud denominou superego, uma das grandes descobertas da psicanálise ao longo da história. Agora mesmo, escrevo o presente artigo no voo que retorna de São Paulo, em direção a Porto Alegre, numa sexta à noite, depois de dois dias intensos de trabalho na capital mais infernal e ao mesmo tempo arrebatadora do Brasil; como disse Caetano Veloso em Sampa, “quem vem de outro sonho feliz de cidade, aprende depressa a chamar-te de realidade, porque és o avesso do avesso do avesso do avesso”. Mais, o fechamento temporário do aeroporto ainda permitiu que respondesse os e-mails em atraso, concluísse um recurso de apelação e ainda colocasse em dia a leitura pendente do Rubem Alves; um livro fantástico que recomendo: Pimentas: Para Provocar um Incêndio, Não é Preciso Fogo, especialmente os capítulos intitulados Sobre a Função Cultural das Privadas e Saúde Mental.

De fato, sabemos muito pouco da espiritualidade oriental do taoísmo, que tem no wu-wi, na preguiça, no fazer nada, uma virtude. Não se trata de matar o tempo, mas de preenchê-lo com sabedoria e equilíbrio, pois, como disse Millôr Fernandes, “quem mata tempo não é um assassino, mas sim um suicida”.

Precisamos parar de medir nossa importância a partir do número de ligações que recebemos no celular. Todos temos medos, culpas e fantasmas. Especialmente medo da morte, que guarda com o tempo uma relação muitíssimo próxima. Mesmo os que pensam não temê-la a temem... Como bem disse Woody Allen, “não tenho medo da morte, apenas não quero estar lá quando isso acontecer”.

Cuidar do nosso tempo é cuidar da vida. É viver bem. É compreender por que estamos aqui, hoje. “Quero que todos tenham vida e vida em abundância”. Para os que creem, o autor da frase é o filho do homem, para os que não creem, uma figura notável, que viveu em Nazaré, chamado Jesus. Bom tempo a todos.


Jeferson Dytz Marin


O artigo foi publicado originalmente no JORNAL PIONEIRO, de Caxias do Sul, no dia 22/03/2013.


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