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A Persistência da Memória, de Salvador Dalí. |
Tempo, seguramente, é um dos principais protagonistas do
período em que vivemos. Alguns o denominam “pós-modernidade”, o sociólogo
polonês Zygmunt Bauman chama de “modernidade líquida”, já Gilles Lipovetsky,
pensador francês, prefere empregar “era do vazio”. Mas, independentemente da
identidade que se queira dar ao tempo presente, o certo é que o tempo de hoje é
um tempo distinto do tempo de outrora. O tempo newtoniano já não mais se
aplica. Hoje, não falamos em “ocupar o tempo” ou “planejar o tempo”, mas sim em
“falta de tempo”.
Corremos, buscamos, escolhemos o caminho mais curto...
Procuramos, o tempo inteiro, tempo... E o curioso é que nossa vida é cada vez
mais pensada, cronometrada, medida e pesada. Os filhos acordam, apanham uma
van, saem cedo. Os pais, por vezes, saem depois (ou antes), retornam e, na
corrida contra o tempo, o jantar tem de ser servido antes da novela – nada
contra, apesar de pouco acompanhá-las, são um ícone da TV brasileira. Mas será
que o tempo que tanto buscamos tem o propósito de bem empregar o tempo?
Não há dúvidas que planejamento é fundamental e que é
necessário pensar a vida de forma minimamente ordenada, pois a agenda do mundo
contemporâneo exige tal conduta. O “viver pós-moderno” impõe a imperiosa vida
agendada previamente, o que reduz as surpresas, aumenta a previsibilidade e
amordaça boa parte da doçura da vida. É o que podemos chamar de monotonização
do tempo ou tempo “sem graça”. Claro que isso pode ser minimizado por uma
escolha importante de nossas vidas: qual será nosso trabalho. Sim, pois
passamos a imensa maioria do tempo trabalhando. Incluo-me, pois, considerando a
atividade universitária, em regra vai-se boa parte dos três turnos do dia.
Todavia, se nossa atividade profissional nos provocar tamanho prazer a ponto de
que possamos afirmar que a desempenharíamos de graça, bom... Boa parte da
monotonização da vida estará extirpada.
Mas aqui cabe dizer que prazer não é alegria. O prazer
está representado em momentos e constitui um sentimento aplacável. Podemos
sentir imenso prazer e, quando alcançamos nosso objetivo, ficamos satisfeitos,
ao menos por um tempo. O prazer é fugaz, geralmente egoísta e, por vezes, até
pérfido. Freud chamou-o de primeira “fome” do homem. Entretanto, a alegria é
sublime, bela e leve. O prazer é o oráculo, o vulcão, o êxtase, o frio no
estômago. A alegria é a vida, a serenidade, a paz. Melhor ainda,
paradoxalmente, a nostalgia vivida no presente, não de forma intensa, mas
calmamente sorvida. A vida é o “inédito viável” concebido por Paulo Freire.
Falo de prazer e alegria porque acredito que, para sermos
felizes, 90% do nosso tempo deve ser preenchido por essas duas sensações. Quem
não pensa assim, com o perdão da descortesia, integra o séquito de míopes que
não vive para a vida, mas sim em prol de um legado que aqui ficará, pois não
lhes acompanhará no túmulo. Precisamos, como disse Mário Sergio Cortella, “ver
com olhos livres”.
O problema é que muitos dos seres humanos não conseguem
viver o tempo do prazer e da alegria com plenitude e livre de culpas.
Incluo-me. Vivo carcomido por uma montanha que encobre o sol, que policia minha
consciência e impõe a ocupação frenética e constante do tempo. Esse vigilante
soldado é o que Freud denominou superego, uma das grandes descobertas da
psicanálise ao longo da história. Agora mesmo, escrevo o presente artigo no voo
que retorna de São Paulo, em direção a Porto Alegre, numa sexta à noite, depois
de dois dias intensos de trabalho na capital mais infernal e ao mesmo tempo
arrebatadora do Brasil; como disse Caetano Veloso em Sampa, “quem vem de outro
sonho feliz de cidade, aprende depressa a chamar-te de realidade, porque és o
avesso do avesso do avesso do avesso”. Mais, o fechamento temporário do
aeroporto ainda permitiu que respondesse os e-mails em atraso, concluísse um
recurso de apelação e ainda colocasse em dia a leitura pendente do Rubem Alves;
um livro fantástico que recomendo: Pimentas: Para Provocar um Incêndio, Não é
Preciso Fogo, especialmente os capítulos intitulados Sobre a Função Cultural
das Privadas e Saúde Mental.
De fato, sabemos muito pouco da espiritualidade oriental
do taoísmo, que tem no wu-wi, na preguiça, no fazer nada, uma virtude. Não se
trata de matar o tempo, mas de preenchê-lo com sabedoria e equilíbrio, pois,
como disse Millôr Fernandes, “quem mata tempo não é um assassino, mas sim um
suicida”.
Precisamos parar de medir nossa importância a partir do
número de ligações que recebemos no celular. Todos temos medos, culpas e
fantasmas. Especialmente medo da morte, que guarda com o tempo uma relação
muitíssimo próxima. Mesmo os que pensam não temê-la a temem... Como bem disse
Woody Allen, “não tenho medo da morte, apenas não quero estar lá quando isso
acontecer”.
Cuidar do nosso tempo é cuidar da vida. É viver bem. É
compreender por que estamos aqui, hoje. “Quero que todos tenham vida e vida em
abundância”. Para os que creem, o autor da frase é o filho do homem, para os
que não creem, uma figura notável, que viveu em Nazaré, chamado Jesus. Bom
tempo a todos.
Jeferson Dytz Marin
O artigo foi publicado originalmente no JORNAL PIONEIRO, de Caxias do Sul, no dia 22/03/2013.
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