O emprego dos instrumentos de estandardização da causa lembram o delírio hermenêutico da Companhia Bananeira da Macondo de Gabriel Garcia Maquez. Em face da afirmação sofista dos causídicos americanos, que atestavam nunca terem existido trabalhadores, confrontando com a sóbria memória dos Buendía.A estandardização do direito tem essa pretensão. A mesma dos advogados da Companhia de Bananas: “a de transformar em existente o plano da inexistência”.
Apesar de prescindir-se do brilho seráfico e do pergaminho de Melquíades espera-se que a tendência de massificação do direito mude de rumo e a verdade não seja descoberta tarde demais, alcançando-se o mesmo destino que foi reservado aos Buendía da mítica Macondo.
As decisões que registram a
pretensão de implantação de um sentido unívoco traduzem imposturas. Carregam
consigo o problema genético da falta de autoridade e, embora sejam formalmente
chanceladas não gozam de legitimidade democrática. A democracia não oprime,
liberta. A democracia não restringe, inclui. A democracia não tem um discurso
monológico, mas plural. A democracia traduz a possibilidade de pleno exercício
da vontade fundada na diferença, que a partir da possibilidade da existência
multiplica as alternativas e compõe o mosaico de valores que amparam o Estado
de Direito. Quando a lanceolada face de animal carnívoro da estandardização
será banida pela candura democrática? O tempo responderá. É preciso um “dar-se
conta” da proximidade do fim. A refundação da democracia jurisdicional. O
resgate da tradição. O retorno ao elemento humano. Foucault traduz um pouco
desse sentimento de aprisionamento a que está submetido o homem-jurisdicionado,
numa sociedade em que se firma uma interdição provocada pela exclusão.
O fundamento das práticas universalizantes, que registram o firme propósito de execução de um projeto de poder jurisdicional calcado na institucionalização de um grupo monolítico, não contribuem em nada para a democratização do Judiciário.
Esse processo de
robotização e tentativa vã de (des) burocratizar o Poder Judiciário engessa o
humano, rechaça a capacidade de construção intelectiva da decisão e amordaça
todo agir transformador. Enquanto o mundo se funda na existência de grupos cada
vez mais organizados que traduzem a previsão de evolução da consciência da
sociedade civil vertida por Gramsci, o Judiciário apresenta-se indiferente às
demandas sociais, mergulhado no mesmo estigma de ode ao contencioso que o
caracterizou nos dois últimos séculos.
O escopo universalizante do direito hodierno encontra-se representado precipuamente nas formas de estandardização da causa. Notadamente nas súmulas vinculantes, súmulas impeditivas de recursos, na imposição de um discurso monológico – visto, v.g., nos poderes do relator de todos os tribunais, que crescem vertiginosamente –, na filtragem espúria e industrial-seletiva que os pretórios têm aplicado no exame de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário, no requisito da repercussão geral, na sentença preliminar e, mais recentemente, na relativização da coisa julgada.
Jeferson Dytz Marin
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