No início de novembro, Robert Alexy esteve em Porto Alegre, onde recebeu o título de doutor honoris causa na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Durante sua visita, o renomado professor da Cátedra de Direito Público e Filosofia do Direito da Universidade Christian-Albrechts de Kiel, na Alemanha, também proferiu a conferência internacional “Direitos Fundamentais, Proporcionalidade e Argumentação”, realizada em sessão dupla na sede do auditório do Ministério Público do Rio Grande do Sul.
Como se sabe, Alexy é considerado um dos principais pensadores do Direito da contemporaneidade. Suas obras — especialmente Teoria da argumentação jurídica e Teoria dos direitos fundamentais — foram traduzidas para diversas línguas e influenciaram de maneira decisiva a produção jurídica brasileira nas últimas décadas, o que se pode verificar tanto pela publicação de centenas de livros e artigos científicos, seja mediante a recorrente citação de suas ideias nas decisões judiciais.
Em sua conferência, o ilustre jurista alemão apresentou sua proposta teórica para aplicação dos direitos fundamentais mediante a máxima, ou princípio (sic), da proporcionalidade. Sua fala foi importante, sobretudo, para esclarecer a imbricação entre os direitos fundamentais, a proporcionalidade e a argumentação jurídica.
O tom foi enfatizar a importância da racionalidade dos juízos de ponderação entre os princípios jurídicos. Isto porque, para Alexy, nos casos em que o direito positivo não fornece a resposta para os problemas concretos, surge a exigência de uma decisão judicial que considere os princípios jurídicos envolvidos. Neste contexto, Alexy desenvolve um sistema para combater o argumento da irracionalidade das decisões: a argumentação jurídica seria, portanto, a forma de demonstrar a correção da decisão que pondera princípios jurídicos.
Para tanto, o grau de racionalidade adviria da estrutura lógica decorrente de juízos quanto à correlação entre intervenção e satisfação dos princípios jurídicos envolvidos (tecnicamente, conhecida como a “lei de sopesamento”), bem como da certeza sobre as questões fáticas. Assim, além do juízo sobre a intensidade de intervenção/satisfação dos princípios jurídicos, Alexy também refere que a intensidade da confiança sobre as premissas fáticas permitiriam expressar a famosa “fórmula de peso”:
Em sua conferência, o ilustre jurista alemão apresentou sua proposta teórica para aplicação dos direitos fundamentais mediante a máxima, ou princípio (sic), da proporcionalidade. Sua fala foi importante, sobretudo, para esclarecer a imbricação entre os direitos fundamentais, a proporcionalidade e a argumentação jurídica.
O tom foi enfatizar a importância da racionalidade dos juízos de ponderação entre os princípios jurídicos. Isto porque, para Alexy, nos casos em que o direito positivo não fornece a resposta para os problemas concretos, surge a exigência de uma decisão judicial que considere os princípios jurídicos envolvidos. Neste contexto, Alexy desenvolve um sistema para combater o argumento da irracionalidade das decisões: a argumentação jurídica seria, portanto, a forma de demonstrar a correção da decisão que pondera princípios jurídicos.
Para tanto, o grau de racionalidade adviria da estrutura lógica decorrente de juízos quanto à correlação entre intervenção e satisfação dos princípios jurídicos envolvidos (tecnicamente, conhecida como a “lei de sopesamento”), bem como da certeza sobre as questões fáticas. Assim, além do juízo sobre a intensidade de intervenção/satisfação dos princípios jurídicos, Alexy também refere que a intensidade da confiança sobre as premissas fáticas permitiriam expressar a famosa “fórmula de peso”:
Wij = Ii - Wi - Si
Ij - Wj - Sj
I = interferência ou satisfação
W = peso abstrato do princípio
S = confiança na premissa fática
Considerando os elementos lógicos explicitados na fórmula, a decisão pode ser considerada aceitável se racionalmente fundamentada mediante a utilização de argumentos que suportem a atribuição de valores aos elementos da intervenção/satisfação e certeza quanto às premissas fáticas.
Nessa atribuição de juízos de ponderação ao texto constitucional é que o direito expressaria a sua conexão necessária com a moral, aproximando a dimensão real do direito (direito posto ou a decisão judicial) à sua dimensão ideal (pretensão de correção). Tal aproximação, entretanto, sustentar-se-ia tão-somente mediante a demonstrabilidade argumentativa da pretensão de correção.
A parte mais interessante da conferência, a meu ver, foi quando, ao final, abriu-se espaço para perguntas. Então, um estudante questionou se Alexy tinha conhecimento acerca da aplicação que os tribunais brasileiros, especialmente o Supremo Tribunal Federal, fazem da aplicação da proporcionalidade.
Alexy agradeceu a pergunta, respondendo que, atualmente, inúmeros tribunais constitucionais aplicam a proporcionalidade. Em relação ao Brasil, disse que já teve a oportunidade de conversar com o presidente do Supremo Tribunal e que sabe da existência de acórdãos que aplicam sua teoria. Deixou claro, todavia, que desconhece o teor das decisões. E este me parece o ponto mais relevante.
Aliás, sobre essa questão não se pode deixar de referir os resultados da pesquisa de Fausto Santos de Morais, em cuja tese de doutorado – intitulada “Hermenêutica e Pretensão de Correção: uma revisão crítica da aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Supremo Tribunal Federal” – foram examinadas as 189 decisões do STF, ao longo de uma década, que fazem menção à proporcionalidade. Entre outras conclusões, o autor constata o seguinte fato: mesmo havendo referência expressa à proporcionalidade pelos ministros do STF, sua aplicação não guarda qualquer relação com o “sistema Alexy”, sendo apenas uma vulgata da proposta do jurista alemão. Em outras palavras, tudo indica que o STF aplica uma proporcionalidade sui generis, visto que empregada sem a mesma preocupação com a racionalidade argumentativa tão estimada por Alexy. Como se isto não bastasse, o modo como o STF aplica a proporcionalidade resulta, ao fim e ao cabo, na institucionalização de uma violência simbólica retórica que se utiliza do argumento de autoridade do “princípio da proporcionalidade”. A tese também aponta outro problema: a aplicação da teoria alexyana em terrae brasilis reforça a discricionariedade judicial maquiada pelo princípio da proporcionalidade, o que somente poderia ser combatido através de uma teoria da decisão, tal qual propõem, por exemplo, Lenio Streck e Rafael Tomaz de Oliveira.
Assim, se Alexy preocupa-se tanto em demonstrar a racionalidade das decisões judicias que usam a ponderação pela extensa argumentação dos níveis de intensidade de questões jurídicas (intervenção/satisfação dos direitos fundamentais) e cognitivas, tudo indica que o mesmo não verifica no STF e, certamente, nos demais tribunais, como se pode observar na jurisprudência brasileira. Isto fica evidente pelas reiteradas decisões cujas fundamentações apenas indicam a incidência do “princípio da proporcionalidade”, aplicado somente como recurso retórico.
Para ilustrar este problema, aproveito alguns casos concretos trabalhos na referida tese. Em algumas decisões, o princípio da proporcionalidade foi invocado por mais de um ministro, levando, contudo, a posições absolutamente antagônicas. Isso pode ser visto, por exemplo, no julgamento do conhecidocaso Ellwanger (HC 82.424/RS) – criticado duramente por Marcelo Cattoni –, ou, ainda, na decisão relativa à (i)legalidade na quebra do sigilo bancário (AC 33 MC/PR). Aliás, por falar em quebra de sigilo bancário, é difícil engolir o argumento sustentado no HC 90.298/RS, em que se invocou a proporcionalidade para quebrar o sigilo bancário sempre que a utilização da prova ilícita servir para realizar outro valor fundamental mais revelante (sic). Mas qual é o valor fundamental relevante o bastante? Quem define esse valor? Trata-se de um juízo discricionário? O juiz pode escolher o valor que mais lhe aprouver? Me parece pouco democrático, não?
Em outras oportunidades, não é a divergência no posicionamento dos ministros que chama atenção, mas o próprio descumprimento da lei (nesse sentido, ver Senso Incomum) e o (ab-)uso de standardsjurídicos consolidados. Esse problema foi detectado no julgamento do RHC 88.371/SP, em que o deferimento de interceptação telefônica ocorreu à margem da Lei 9.296/96. Nesse caso, a ponderação permitiu que a interceptação fosse considerada legal, via proporcionalidade, eis que estava presente a necessidade de valorar questões como segurança, proteção à vida e patrimônio.
Muitos outros casos poderiam ser trazidos. Em nenhum deles, houve a aplicação da tal fórmula do peso. Vamos aguardar pela publicação da tese. De todo modo, não é difícil observar que o principal problema decorrente do diagnóstico do uso da proporcionalidade implicaria num reforço à discricionariedade judicial. Se, por um lado, a teoria alexyana busca conferir maior racionalidade às decisões judiciais; de outro, na prática, o que se verifica nos tribunais pátrios é precisamente o oposto.
Observa-se, em suma, que os princípios tornaram-se uma espécie de máscara da subjetividade, na medida em que passaram a ser aplicados como enunciados performativos que se encontram à disposição dos intérpretes, permitindo que os juízes, ao final, decidam como quiserem. Neste contexto, os princípios jurídicos, especialmente a proporcionalidade, exercem a função de verdadeiros curingas, servindo de muleta para imposição de todo e qualquer argumento.
Desse modo, considerando que no interior da dogmática jurídica a interpretação continua a ser entendida como a escolha de um sentido que advém da consciência do julgador, o que se verifica é que, no Brasil, a vulgata da ponderação não está aumentando o grau de racionalidade das decisões judicias, mas potencializando o subjetivismo e, sob o álibi teórico da proporcionalidade, instituindo uma justiça cada vez mais lotérica.
Nessa atribuição de juízos de ponderação ao texto constitucional é que o direito expressaria a sua conexão necessária com a moral, aproximando a dimensão real do direito (direito posto ou a decisão judicial) à sua dimensão ideal (pretensão de correção). Tal aproximação, entretanto, sustentar-se-ia tão-somente mediante a demonstrabilidade argumentativa da pretensão de correção.
A parte mais interessante da conferência, a meu ver, foi quando, ao final, abriu-se espaço para perguntas. Então, um estudante questionou se Alexy tinha conhecimento acerca da aplicação que os tribunais brasileiros, especialmente o Supremo Tribunal Federal, fazem da aplicação da proporcionalidade.
Alexy agradeceu a pergunta, respondendo que, atualmente, inúmeros tribunais constitucionais aplicam a proporcionalidade. Em relação ao Brasil, disse que já teve a oportunidade de conversar com o presidente do Supremo Tribunal e que sabe da existência de acórdãos que aplicam sua teoria. Deixou claro, todavia, que desconhece o teor das decisões. E este me parece o ponto mais relevante.
Aliás, sobre essa questão não se pode deixar de referir os resultados da pesquisa de Fausto Santos de Morais, em cuja tese de doutorado – intitulada “Hermenêutica e Pretensão de Correção: uma revisão crítica da aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Supremo Tribunal Federal” – foram examinadas as 189 decisões do STF, ao longo de uma década, que fazem menção à proporcionalidade. Entre outras conclusões, o autor constata o seguinte fato: mesmo havendo referência expressa à proporcionalidade pelos ministros do STF, sua aplicação não guarda qualquer relação com o “sistema Alexy”, sendo apenas uma vulgata da proposta do jurista alemão. Em outras palavras, tudo indica que o STF aplica uma proporcionalidade sui generis, visto que empregada sem a mesma preocupação com a racionalidade argumentativa tão estimada por Alexy. Como se isto não bastasse, o modo como o STF aplica a proporcionalidade resulta, ao fim e ao cabo, na institucionalização de uma violência simbólica retórica que se utiliza do argumento de autoridade do “princípio da proporcionalidade”. A tese também aponta outro problema: a aplicação da teoria alexyana em terrae brasilis reforça a discricionariedade judicial maquiada pelo princípio da proporcionalidade, o que somente poderia ser combatido através de uma teoria da decisão, tal qual propõem, por exemplo, Lenio Streck e Rafael Tomaz de Oliveira.
Assim, se Alexy preocupa-se tanto em demonstrar a racionalidade das decisões judicias que usam a ponderação pela extensa argumentação dos níveis de intensidade de questões jurídicas (intervenção/satisfação dos direitos fundamentais) e cognitivas, tudo indica que o mesmo não verifica no STF e, certamente, nos demais tribunais, como se pode observar na jurisprudência brasileira. Isto fica evidente pelas reiteradas decisões cujas fundamentações apenas indicam a incidência do “princípio da proporcionalidade”, aplicado somente como recurso retórico.
Para ilustrar este problema, aproveito alguns casos concretos trabalhos na referida tese. Em algumas decisões, o princípio da proporcionalidade foi invocado por mais de um ministro, levando, contudo, a posições absolutamente antagônicas. Isso pode ser visto, por exemplo, no julgamento do conhecidocaso Ellwanger (HC 82.424/RS) – criticado duramente por Marcelo Cattoni –, ou, ainda, na decisão relativa à (i)legalidade na quebra do sigilo bancário (AC 33 MC/PR). Aliás, por falar em quebra de sigilo bancário, é difícil engolir o argumento sustentado no HC 90.298/RS, em que se invocou a proporcionalidade para quebrar o sigilo bancário sempre que a utilização da prova ilícita servir para realizar outro valor fundamental mais revelante (sic). Mas qual é o valor fundamental relevante o bastante? Quem define esse valor? Trata-se de um juízo discricionário? O juiz pode escolher o valor que mais lhe aprouver? Me parece pouco democrático, não?
Em outras oportunidades, não é a divergência no posicionamento dos ministros que chama atenção, mas o próprio descumprimento da lei (nesse sentido, ver Senso Incomum) e o (ab-)uso de standardsjurídicos consolidados. Esse problema foi detectado no julgamento do RHC 88.371/SP, em que o deferimento de interceptação telefônica ocorreu à margem da Lei 9.296/96. Nesse caso, a ponderação permitiu que a interceptação fosse considerada legal, via proporcionalidade, eis que estava presente a necessidade de valorar questões como segurança, proteção à vida e patrimônio.
Muitos outros casos poderiam ser trazidos. Em nenhum deles, houve a aplicação da tal fórmula do peso. Vamos aguardar pela publicação da tese. De todo modo, não é difícil observar que o principal problema decorrente do diagnóstico do uso da proporcionalidade implicaria num reforço à discricionariedade judicial. Se, por um lado, a teoria alexyana busca conferir maior racionalidade às decisões judiciais; de outro, na prática, o que se verifica nos tribunais pátrios é precisamente o oposto.
Observa-se, em suma, que os princípios tornaram-se uma espécie de máscara da subjetividade, na medida em que passaram a ser aplicados como enunciados performativos que se encontram à disposição dos intérpretes, permitindo que os juízes, ao final, decidam como quiserem. Neste contexto, os princípios jurídicos, especialmente a proporcionalidade, exercem a função de verdadeiros curingas, servindo de muleta para imposição de todo e qualquer argumento.
Desse modo, considerando que no interior da dogmática jurídica a interpretação continua a ser entendida como a escolha de um sentido que advém da consciência do julgador, o que se verifica é que, no Brasil, a vulgata da ponderação não está aumentando o grau de racionalidade das decisões judicias, mas potencializando o subjetivismo e, sob o álibi teórico da proporcionalidade, instituindo uma justiça cada vez mais lotérica.
André Karam Trindade
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