26 de set. de 2012

O Voto... Como Óculos Para Cego?

Parthenon.

Na “Política”,  Aristóteles afirma ser  a capacidade de discernir entre o bem e o mal, o justo e o injusto que distingue o homem dos outros animais. E parece que o filósofo barbudo tinha mesmo razão. A questão é saber, primeiro, qual o conceito de bom e justo de cada um. E olha que para o bom e velho Ari, para os íntimos, o conceito de bom e belo estava firmado na virtude. Segundo, se, uma vez detentor da capacidade de distinção do certo e do errado, a opção será pelo primeiro caminho.

A proximidade dos pleitos municipais gera reflexões dessa ordem. A busca por uma pessoa que, dotada de inteligência, tenha também a capacidade de compreender o justo e a probidade para aplicá-lo incondicionalmente. De fato, enfrenta-se uma época de vacas magras. Embora o bordão “Que país é esse?” imortalizado por outro barbudo, o Russo, não ande muito em voga, boa parte da ninhada de políticos recém parida parece ter provindo de uma fêmea espúria, que lhes transmitiu a falta de escrúpulos e a ganância como heranças inalienáveis. No campo religioso, cultivou ainda uma importante lição: “o culto ao Deus-Poder acima de todas as coisas e o dever de adulá-lo diuturnamente como condição de garantia da vida eterna”.

De qualquer forma, apesar da frustração, que colocou todos brasileiros numa mesma estrada, buscando um mártir que literalmente “salve” o povo e lhes garanta um lugar cativo no paraíso, ainda é preciso votar. E o voto, ápice da democracia representativa, denota uma possibilidade concreta de mudança do olhar que cada um debruça sobre a cidade. Sim, a cidade é seguramente o principal campo de debates da eleição municipal.... mas claro, como quem vive nas cidades são pessoas, lógico que a questão central acaba descambando exatamente para a vida dos diletos habitantes da pólis. E apesar do mar de lodo que habita as entranhas da política brasileira, não tenho nenhuma dúvida que ainda é possível encontrar bons políticos. Novamente voltamos aos conceitos. ... Quem é o bom político? Honestidade é imprescindível... mas não adianta ser probo e incompetente, pois o dinheiro público continuará indo para o ralo. Sabedoria. Capacidade de articulação e mobilização. Formacão política. Conhecimento de gestão “pública”... Mas a palavra que define um bom mandatário é, seguramente, “projeto”. As administrações identificam-se e eternizam-se com a implementacão de projetos que mudem a vida das pessoas. Foi assim com a educação em turno integral de Brizola, o transporte coletivo de Jaime Lerner, as ciclovias de Peñalosa em Bogotá, o sistema de locação de bicicletas de Paris, a participação da população nas decisões em Porto Alegre, o metrô de Londres, os banheiros limpos e seguros do Rio de Janeiro...

Mas não é isso que elege ninguém. O que geralmente coloca o candidato na cadeira de Prefeito é o carisma. E aqui mora o problema. Se ele só tiver carisma e nenhuma das outras qualidades.... é o prenúncio de um mandato que, certamente, trará muito mais tristezas que alegrias.

De qualquer sorte, o voto é o exercício democrático que nos é colocado à disposição, especialmente em face do notório desinteresse nos instrumentos de democracia direta, muito mais fortes na Ágora da Grécia Antiga do que nas assembléias públicas que apreciam mudanças do Plano Diretor ou nos conselhos municipais. Deixo a Berthold Brecht a explicação da importância do ato e da necessidade de rompimento com a desolação com a política que aflige boa parte dos habitantes do planeta. “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato, do remédio dependem de decisões políticas. (...) Não sabe o imbecil que de sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado e o pior dos bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio”.


Jeferson Dytz Marin

20 de set. de 2012

Fanqueiros da Literatura.

A Tal Literatura Fanqueira.

Fim de semana frio na serra. Inverno adoçado. Outono abreviado. Ambiente propício aos cabernets, aos merlots, à lareira, família, sopa de agnolini, batata-doce, pinhão e cobertor de orelha.

É... Embora o verão carregue consigo o afã  tropical do clima de pouca roupa, alma leve e face de desopilo, o inverno tem lá seus predicados! E a serra é a cara da estação do frio, da neblina, que incita a aproximação e a busca das  companhias imanentes. De fato, a semana que ultimou trouxe consigo o séquito dos amigos, o mate compartilhado, o fogo como signo da união, da partilha, da vida vivida.

Mas falando em autenticidade, em alteridade, esses são atributos que andam ausentes em boa parte da literatura...

MOEDEIROS FALSOS: A MERCANTILIZAÇÃO DA CULTURA

Machado de Assis, já em 1859, cuidava do tema, censurando de forma veemente os escritores oportunistas, que “fazem do talendo uma machina, e uma machina de obra grossa, movida pelas probabilidades financeiras do resultado, perdendo a dignidade do talento e o pudor da consciência”.

A Academia Brasileira de Letras que o diga, vez que incluiu dentre seus “imortais” José Sarney e Paulo Coelho, enquanto deixou de fora verdadeiros literatos, como o íncone do mercado público, o anjo poeta, o mais ilustre morador do Hotel Magestic, Mário Quintana.

De fato, as obras de auto-ajuda, que prometem a felicidade instantânea, que têm o compromisso espúrio de inumar num piscar de olhos as angústias psicanalíticas, as celeumas pessoais e, de quebra, os problemas do espírito, abarrotam as livrarias e aguçam a sede das cobaias vivas do cotidiano.

A história, a cultura genuína e a verdadeira literatura perdem cada vez mais espaço para os fanqueiros literários, para os escritores mercadológicos, que são fruto do consumismo desenfreado e de um mercado burro voltado cada vez mais para o conhecimento instantâneo, midiático, desprovido de qualidade e prazer.

Como bem descreveu Machado de Assis, “o fanqueiro literário é uma individualidade social e marca uma das aberrações dos tempos modernos. Esse moer contínuo do espírito, que faz da inteligência uma fábrica de Manchester, repugna a natureza da própria intelectualidade”.

A CULTURA MANUELESCA DO DIREITO: TAMBÉM TEMOS NOSSOS FANQUEIROS

O direito não foge à regra machadiana. Também tem seus escritores que se limitam a repetir o passado, a reproduzir realidades vetustas e insistir em verdades absolutas que há muito foram relativizadas. O positivismo, que identifica o direito com a lei e percebe nela a solução para todos os males sociais, reflete-se em muitos manuais de Direito Civil, Processual ou Penal... Um livro que se limita a pouco mais do que reproduzir a lei não é uma obra literária, mas sim um instrumento tacanho a serviço do nada.

Enfim, sem a reflexão do direito, através de uma postura questionadora, não teremos juristas preocupados com a mudança da realidade social e a dinâmica das relações humanas, mas sim seres dotados de uma conduta robótica, que despersonaliza as ações, refém da burrocracia e da tecnificação que olvidam a existência do homem como ser pensante.

“Conhece-se um fanqueiro literário entre muitas cabeças pela extrema cortezia. É um tic. Não há homem de cabeça mais mobil e espinha dorsal mais flexível”. Mas também temos a boa literatura.... e a boa música... Há vida após o fank...“Se eu ousar catar, na superfície de qualquer manhã, as palavras de um livro sem final. Valeu a pena. Sou pescador de ilusões”. Foi assim que terminou o fim de semana. Ao som de Rappa...


Jeferson Dytz Marin

16 de set. de 2012

Decisão Judicial.

Justiça Divergente.

                HÁ JUSTIÇA EM UMA DECISÃO JUDICIAL?


               Vivemos a chamada era do relativismo, das incertezas, das verdades mutantes e do fim de valores absolutos. E a constatação é positiva ou negativa? Parece que a resposta pode ser num ou noutro sentido,dependendo do ângulo que é observada. Contudo, a verdade é que a incerteza se traduz num sintoma da modernidade e temos que nos acostumar a conviver com ela.

Como afirmou o próprio Marx, há muito, a mordernidade faz com que “tudo que seja sólido desmanche no ar”. Atualmente, o sociológo polonês Zygmunt Bauman, um best seller, autor de livros como “Modernidade e Holocausto”, “A arte da vida”, “Amor líquido”, “Tempos líquidos” e “Identidade”, deu asas a ideia do economista barbudo que combatia o capitalismo, concebendo o que denominou de “modernidade líquida”. O tempo da incerteza, da insegurança, dos conceitos que se dissipam, se dissolvem no ar. Das verdades relativas, da crise de valores. Da ausência de rumo.

 Rubem Alves asseverou que, “Quem não tem jardins por dentro e não planta jardins por fora, não passeia por eles”. Sim, são os jardineiros que tendem a ser os mais zelosos e hábeis dos seres humanos, os guardiões das utopias. É na imagem do ideal pré-concebida pelos jardineiros – verdadeiros cuidadores – que nos alimentamos para tentar manter vivas as utopias numa sociedade que as fere de morte a cada dia que se vai.

DECISÃO JUDICIAL, INSATISFAÇÃO E VERDADE RELATIVA

O direito também é vítima do fim das utopias. E a discussão da justiça de uma decisão judicial, passa, necessariamente, pela concepção idealística. Mas afinal, uma decisão proferida por um juiz, um terceiro que aprecia o argumento de duas partes, representadas no processo por seus advogados, produz justiça? O que é justiça? É possível conceber um conceito de justiça que seja capaz de abarcar uma decisão equanime, ideal, a salvo de qualquer contestação?

Seguramente, as pessoas que buscam o Poder Judiciário se perguntam, sempre, acerca da pertinência ou não da decisão. Da justiça que ela produz no caso concreto! E não há dúvida. É absolutamente minoritário o número de cidadãos que busca o Judiciário sob o pálio da má-fé, da tentativa de ludibriar o juízo ou convictos de que o argumento empregado não é razoável. As pessoas acionam o Estado, através do Judiciário, já que, no mais das vezes, têm convicção de que aquilo que afirmam está calcado na ideia de justiça, a partir de um senso comum básico. Um mínimo existencial do direito. O que processualmente se denomina de “condição da ação”.

Mas o certo é que as decisões judiciais são relativas e produzem justiça, apenas, para a parte vencedora. A ideia de “conforto”, de “acolhida” do Poder Judiciário, que dá uma “resposta” ao cidadão que o busca, não parece encontrar correspondência no caso concreto. A parte derrotada fica insatisfeita e, portanto, não percebe a decisão como “justa”.

A SENTENÇA COMO ESCOLHA DE UMA DAS VERSÕES

Pode-se dizer, então, que as decisões judiciais não produzem justiça concreta para ambas as partes, embora no plano processual, a sentença seja aceita como válida. As decisões, na verdade, elegem uma das versões postas por autor ou réu como sendo a mais adequada, a mais fundamentada e aquela que condiz com os mandamentos legais e jurisprudenciais. Além, é claro, da influência inevitável da formação e do posicionamento do julgador, que, a partir da percepção forjada nas provas produzidas no processo, decidirá.

A justiça existe. Mas no plano das utopias. É bom que exista, que seja combustível para a equidade, para um julgamento correto. As utopias são absolutamente necessárias. Sem elas, não há sonho. Devemos acreditar nas utupoias. Contudo, no plano objetivo, temos que reconhecer, com certo pesar, que a decisão judicial “opta” pelos argumentos de uma das partes, gerando satisfação ao vencedor e angústia ao derrotado. Ou seja, a justiça paira sobre aquele que convence o juízo e vence a ação, desamparando o outro, que não logrou êxito em sua tarefa. E de quem é a razão? Ambos a têm. Contudo, apenas um conquista seu reconhecimento.

 Jeferson Dytz Marin

9 de set. de 2012

A Irracionalidade da Razão.

O Grito - Edvard Munch.

            Historicamente, é possível afirmar que o teocentrismo antecedeu o antropocentrismo e, este, por sua vez, teria sido suplantado pelo biocentrismo, representado na necessidade de integração entre homem e natureza. Contudo, a história também testemunha que, quase sempre, se julgou ser o homem um ser superior a todas as coisas, dotado de inteligência e infalibilidade.

          Tal convicção produziu uma espécie de soberba antropocêntrica e um exército de idiotas. O homem, de fato, é uma espécie notável, não há dúvidas. Mas o mesmo homem que criou o avião o utilizou nas conflagrações que vitimaram milhares de pessoas, o mesmo homem que descobriu a energia para fins pacíficos, também a empregou no terrificante desabrochar da “rosa de Hiroshima” e suas “rotas alteradas”. O mesmo homem que criou a cura para milhares de doenças e viabilizou o controle de uma das maiores patologias do século, a AIDS, também deu azo a desgraças devastadoras, como a talidomida e os cânceres produzidos pelos agrotóxicos, aqui, bem debaixo dos nossos narizes. O mesmo homem que se agrupou no movimento hippie e bradou por liberdade de expressão também protagonizou vilipêndios de toda a ordem nos inúmeros regimes ditatoriais que envergonham a história. O mesmo homem que, através de Freud, Lacan e Young buscou alento para os desassossegos da mente, também produziu experiências nefastas, quando, no regime nazista, lançou mão de cobaias humanas para a identificação de seus limites psíquicos.

            O homem, portanto, não é infalível e nem tampouco é o epicentro do universo ou do planeta. É mais um elemento de um ecossistema composto por milhares de organismos vivos. E é exatamente a consciência da insignificância da raça que poderá nos aproximar da serenidade e sepultar a auto-idolatria. Fim à comunidade de narcísicos!

            Aliás, Shakespeare, Pascal e Darwin já questionavam a afirmação de que o homem seria a maior das maravilhas do mundo. Mais, se nos reportarmos a uma das mais conhecidas sentenças bíblicas, como lembra Mario Cortella, será possível dimensionar exatamente a insignificância do homem; no caso, perante Deus, mas seria perfeitamente possível considerar outras referências, o universo, o planeta ou a própria natureza. Num período de reflexão, disse Abraão, “Vou ousar falar ao meu Senhor, eu que não passo de pó e cinza” ( Gn 18,27). A frase, se dita em latim, alcança ainda mais força, “Pulvis es et in pulverem reverteris”, ou, “És pó e a ele voltarás”.

         E é esse sentimento, de consciência dos limites do homem e de que ele pertence a um sistema, a uma engrenagem que envolve milhares de outros elementos, somado à convicção na finitude – ao menos terrena – que nos impulsiona e permite assimilar a noção e a importância de “progresso”. O homem não é o redentor e o mártir de uma profissão de fé, é apenas um dos protagonistas da história.

             É preciso recuperar o verdadeiro sentido de carpe diem, escrito por Horácio em suas Odes e rememorado belamente em “Sociedade dos Poetas Mortos”, uma das grandes obras que o cinema já produziu. O sentido de “aproveite o dia” não pode ser traduzido em expressões correntemente empregadas como “curta o hoje, pois a vida é breve”. O carpe diem de Horácio lembra o “equilíbrio e a virtude” e não o  “viva hoje o que não pode viver amanhã”. A panacéia de games, o acesso desqualificado e frenético a sites que nada dizem e a busca por drogas traduzem um pouco do efeito da crença de que “o hoje termina amanhã”. A vida deve ser vivida passo a passo, um após o outro. A desesperança e as frustrações fazem parte da jornada e isso é natural, mas não justificam o abandono do bom caminho. Junto com a constatação de que quanto mais sabemos, na verdade, menos sabemos, não deve vir a sensação de que somos todos idiotas, muito embora, se considerado o arcabouço de conhecimento acumulado pela história, essa seria a conclusão mais sensata. É a ambição, distinta da ganância, que deve motivar a busca do conhecimento, da melhora de vida ou da plenitude afetiva. É preciso afastar o risco de que a indigência intelectual, a repetição e a morte do afeto nos tornem “animais satisfeitos que dormem”, como certa vez disse Guimarães Rosa. Ou, como dizia Raul Seixas, “Não posso ficar aí parado. No trono de um apartamento. Com a boca escancarada. Cheia de dentes. Esperando a morte chegar”. 


Jeferson Dytz Marin

Revisitando a Locomoção Urbana.

Ciclovias - Bogotá, Capital da Colômbia.


        
        O caos urbano que vitimiza as cidades e torna a vida nas metrópoles quase insuportável impõe um rompimento de paradigma. Não é mais possível conceber como soluções para o trânsito urbano a construção de viadutos, túneis subterrâneos e prédios que abriguem os automóveis das milhares de pessoas que todos os dias se deslocam de suas casas para as atividades profissionais. As grandes obras, de fato, não são a solução para o trânsito, representam apenas uma alternativa paliativa, vez que o número de automóveis cresce vertiginosamente e, portanto, será imensamente maior daqui a dois, cinco e dez anos. O Estado Social, que tateia limites, amparado num princípio jurídico denominado de “reserva do possível”, combalido pela corrupção endêmica que corrói não só as estruturas estatais mas a própria sociedade, pelo mar de ações judiciais que busca a oferta de medicamentos, serviços de saúde, habitação e até mesmo a garantia de espaços de lazer já não suporta mais quantias vultuosas voltadas a assegurar o conforto de uma classe média cada vez mais numerosa. Sim, conforto. A maioria das pessoas busca assegurar um deslocamento tranquilo que faça frente aos ingentes compromissos de uma sociedade estérica e incompreensivelmente veloz, preferencialmente com um automóvel que registre “um só passageiro”.

Claro, não se quer aqui afirmar que a conservação das vias públicas, a organização do trânsito e a abertura de rotas alternativas não devem mais ser executadas. Sim, ainda integrarão as políticas públicas por longos anos. Todavia, não mais como as grandes estrelas, mas como meros coadjuvantes. Só há uma saída para o caos do trânsito das cidades: a mudança de paradigma cultural. Isso implica na renúncia a benesses pessoais e ao conforto solipsista, enfim, ao individualismo exacerbado de uma sociedade pós-moderna que esquece o bem comum e a contribuição que cada um pode dar a si próprio e aos outros. E essa transição passa necessariamente pela mudança drástica dos hábitos de locomoção das pessoas. Os investimentos do poder público, portanto, devem ter dois focos principais. O primeiro, firmado na busca de transportes alternativos, que guardem harmonia com o meio ambiente. O segundo, voltado para o transporte coletivo, que além das tradicionais pistas exclusivas para ônibus, compreende os BRTs, populares em Bogotá, na Colômbia e em Curitiba, onde receberam a alcunha de “ligeirinhos”, os metrôs, o investimento em trens inter-municipais e estaduais, modificando a funesta paisagem da malha rodoviária.

Dois grandes urbanistas podem testemunhar o sucesso dessas experiências. Jaime Lerner, que tornou a capital paranaense uma referência em transporte coletivo e Enrique Peñnalosa, que recentemente esteve em Porto Alegre e também estará na Rio + 20. Ex-Prefeito de Bogotá, implantou vias arejadas para os ônibus e construiu milhares de kilômetros de ciclovias. Isso mesmo: bicicletas. Constituem um meio de transporte ecologicamente adequado, que contribui para o combate ao sedentarismo, um dos grandes problemas da humanidade e ainda viabilizam o desafogamento do trânsito. Claro que a alternativa é mais viável para centros urbanos planos, sem excesso de declive, mas não deve ser desconsiderada em nenhuma cidade que apresente problemas graves de trânsito.

Com a implantação da ciclovia, Porto Alegre caminha nesse sentido, dispondo do apoio de boa parte da população.

Já a aposta no transporte coletivo deve comportar uma efetiva transformação da estrutura física do trânsito das cidades. Como afirma Peñalosa, “... o símbolo de um ônibus, que vai em alta velocidade entre os automóveis que não se movem em um engarrafamento, constrói igualdade”. Ora, a opção pelo transporte coletivo precisa ser atrativa, capaz de convencer a população a mudar o hábito e deixar o automóvel em casa. Assim, seja qual for o transporte coletivo (ônibus, BRTs, trens ou metrôs), ele precisa ter prioridade urbana em relação ao automóvel e oferecer conforto ao seu usuário. Haverá uma disputa de espaço entre os meios de transporte coletivo e os automóveis? Sim. Mas os primeiros têm de vencê-la.

Além disso, claro, os meios coercitivos, que estabeleçam sistema de rodízios de placas e o barateamento do táxi constituem possibilidades interessantes.

O reordenamento do espaço urbano, assim, passa pela transformação do ambiente, a partir de critérios ecológicos, que valorizem o transporte coletivo e a bicicleta como meio alternativo de transporte. Se os novayorkinos conseguem morar e trabalhar em Manhattan praticamente sem garagens, num dos maiores centros econômicos do mundo, porque não conseguiremos? A mudança de paradigma sempre abre conflitos, mas, com uma nova postura do poder público e da sociedade podemos construir uma outra cidade. Então, viva a bicicleta!


Jeferson Dytz Marin

8 de set. de 2012

Alfabetização Ecológica.

Horta Ecológica - Instituto Socioambiental de Valéria, Salvador / BA.


                        O MEIO AMBIENTE E A ALFABETIZAÇÃO ECOLÓGICA


O meio ambiente, mais do que nunca, dá sinais de debilidade, de fraqueza. Copenhagen chancelou, do ponto de vista formal, a preocupação central do mundo: a economia. A crise não permitiu que se discutisse de forma séria a questão ambiental. O alerta do clima, presente em todos os cantos do planeta, passou despercebido. O semblante pálido e desolado da mãe natureza foi o que restou...

As convenções anteriores representaram um avanço bem mais significativo do que a atual, que deveria ser a responsável pela resposta mais enfática de todas. O Haiti, com os furacões, o Rio de Janeiro, com os desmoronamentos, o excesso de chuvas em São Paulo... As consequencias da devastação ambiental deram início ao caminho sem volta. E a questão é sistêmica. Os problemas não estão apenas ao largo, mas debaixo dos nossos narizes. A água que vitimou a safra da uva e as propriedades rurais, o calor do inverno, o frio do verão.... Precisamos, decisivamente, tomar uma atitude! E parece que a educação ambiental é a melhor alternativa para o retardamento do fim do ciclo.

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL

A educação, hoje, especialmente no que se refere às Ciências Humanas, tem sinalizado no sentido do rompimento com o estudo sacralizado do saber que venera as verdades absolutas e o mito da certeza, bases do vã afã de estabilizar as relações sociais.

Hoje, construir uma análise a partir da organização viva, reconhecendo uma espécie de ligação entre a ordem e desordem, amparada numa ideia dialógica que compreenda o sistema de ensino, a relação com a sociedade e a própria convergência pessoal dos seres humanos, registra a pretensão de reconhecer a complexidade do mundo moderno e permitir a aplicação de uma prática transdisciplinar.

Isso, contudo, jamais deve prescindir da ideia de que estamos no universo, apesar de pensarmos o mundo, também, a partir de nossas vivências locais. Assim, o todo não pode ser compreendido sem as partes e as partes não podem ser compreendidas sem o todo.

Devemos considerar, do ponto de vista ambiental, a necessidade de combate à destruição da camada de ozônio, mas também o cuidado na coleta seletiva do lixo. O universal e o local.

O processo de educar, ou alfabetizar ecologicamente, de forma sistêmica, envolve conhecer a natureza, sua ação antrópica no meio ambiente e suas consequências, redesenhando a rede para a sustentabilidade, promovendo mudança de paradigma de uma cultura agressora para uma cultura harmônica e sustentável, extraindo conhecimento da natureza, uma maneira de ver o mundo como um todo integrado.

Essa compreensão do ambiente em que vivemos é fundamental para o alcance da inclusão, que passa, naturalmente, pela compreensão dos direitos civis individuais, dos direitos sociais, dos novos direitos e dos direitos coletivos, enfim, de todas as dimensões – ou gerações – de direitos.

O NOVO PARADIGMA

O paradigma educacional, sempre que abordado, nos mais diversos níveis, denota efetivamente a mudança de atitude, de compreensão, em busca de uma nova dimensão ambiental espelhada no homem e no meio ambiente, intuindo fomento de transição para a sustentabilidade da vida das presentes e futuras gerações.

Dentro do contexto educacional, um dos desafios da atualidade é a educação do indivíduo como ser humano inserido em seu meio, seja ele social, físico ou político. Dessa forma, a ideia é ter consciência que o homem é parte do todo.

Fritjof Capra, um dos principais autores da teoria sistêmica, busca na sabedoria da natureza a alfabetização e, para entender as redes e os ecossistemas, formula princípios básicos utilizados para construção de comunidades sustentáveis, que dizem respeito diretamente à vida.

O certo é que o homem passa a ter cada vez mais consciência da possibilidade de sua finitude ou, ao menos, da proximidade de encerramento de um ciclo. O derretimento das geleiras, as mudanças abruptas do clima, a incerteza da estabilidade das estações, a escassez da água e a o avanço pernicioso da poluição nas metrópoles oferecem a certeza de que a preocupação é evidente. Precisamos nos dar conta que a preservação ambiental não é uma questão panfletária ou fundada apenas no alcance de ISOs. É a base da sobrevivência do homem.


                                                           Jeferson Dytz Marin