O caos urbano que
vitimiza as cidades e torna a vida nas metrópoles quase insuportável impõe um
rompimento de paradigma. Não é mais possível conceber como soluções para o
trânsito urbano a construção de viadutos, túneis subterrâneos e prédios que
abriguem os automóveis das milhares de pessoas que todos os dias se deslocam de
suas casas para as atividades profissionais. As grandes obras, de fato, não são
a solução para o trânsito, representam apenas uma alternativa paliativa, vez
que o número de automóveis cresce vertiginosamente e, portanto, será
imensamente maior daqui a dois, cinco e dez anos. O Estado Social, que tateia
limites, amparado num princípio jurídico denominado de “reserva do possível”,
combalido pela corrupção endêmica que corrói não só as estruturas estatais mas
a própria sociedade, pelo mar de ações judiciais que busca a oferta de
medicamentos, serviços de saúde, habitação e até mesmo a garantia de espaços de
lazer já não suporta mais quantias vultuosas voltadas a assegurar o conforto de
uma classe média cada vez mais numerosa. Sim, conforto. A maioria das pessoas
busca assegurar um deslocamento tranquilo que faça frente aos ingentes
compromissos de uma sociedade estérica e incompreensivelmente veloz, preferencialmente
com um automóvel que registre “um só passageiro”.
Claro, não se quer
aqui afirmar que a conservação das vias públicas, a organização do trânsito e a
abertura de rotas alternativas não devem mais ser executadas. Sim, ainda
integrarão as políticas públicas por longos anos. Todavia, não mais como as
grandes estrelas, mas como meros coadjuvantes. Só há uma saída para o caos do
trânsito das cidades: a mudança de paradigma cultural. Isso implica na renúncia
a benesses pessoais e ao conforto solipsista, enfim, ao individualismo
exacerbado de uma sociedade pós-moderna que esquece o bem comum e a
contribuição que cada um pode dar a si próprio e aos outros. E essa transição
passa necessariamente pela mudança drástica dos hábitos de locomoção das
pessoas. Os investimentos do poder público, portanto, devem ter dois focos
principais. O primeiro, firmado na busca de transportes alternativos, que guardem
harmonia com o meio ambiente. O segundo, voltado para o transporte coletivo, que
além das tradicionais pistas exclusivas para ônibus, compreende os BRTs,
populares em Bogotá, na Colômbia e em Curitiba, onde receberam a alcunha de
“ligeirinhos”, os metrôs, o investimento em trens inter-municipais e estaduais,
modificando a funesta paisagem da malha rodoviária.
Dois grandes urbanistas
podem testemunhar o sucesso dessas experiências. Jaime Lerner, que tornou a
capital paranaense uma referência em transporte coletivo e Enrique Peñnalosa,
que recentemente esteve em
Porto Alegre e também estará na Rio + 20. Ex-Prefeito de
Bogotá, implantou vias arejadas para os ônibus e construiu milhares de
kilômetros de ciclovias. Isso mesmo: bicicletas. Constituem um meio de
transporte ecologicamente adequado, que contribui para o combate ao
sedentarismo, um dos grandes problemas da humanidade e ainda viabilizam o
desafogamento do trânsito. Claro que a alternativa é mais viável para centros
urbanos planos, sem excesso de declive, mas não deve ser desconsiderada em
nenhuma cidade que apresente problemas graves de trânsito.
Com a implantação da
ciclovia, Porto Alegre caminha nesse sentido, dispondo do apoio de boa parte da
população.
Já a aposta no
transporte coletivo deve comportar uma efetiva transformação da estrutura
física do trânsito das cidades. Como afirma Peñalosa, “... o símbolo de um
ônibus, que vai em alta velocidade entre os automóveis que não se movem em um
engarrafamento, constrói igualdade”. Ora, a opção pelo transporte coletivo
precisa ser atrativa, capaz de convencer a população a mudar o hábito e deixar
o automóvel em casa. Assim,
seja qual for o transporte coletivo (ônibus, BRTs, trens ou metrôs), ele
precisa ter prioridade urbana em relação ao automóvel e oferecer conforto ao
seu usuário. Haverá uma disputa de espaço entre os meios de transporte coletivo
e os automóveis? Sim. Mas os primeiros têm de vencê-la.
Além disso, claro, os
meios coercitivos, que estabeleçam sistema de rodízios de placas e o
barateamento do táxi constituem possibilidades interessantes.
O reordenamento do
espaço urbano, assim, passa pela transformação do ambiente, a partir de
critérios ecológicos, que valorizem o transporte coletivo e a bicicleta como
meio alternativo de transporte. Se os novayorkinos conseguem morar e trabalhar
em Manhattan praticamente sem garagens, num dos maiores centros econômicos do
mundo, porque não conseguiremos? A mudança de paradigma sempre abre conflitos,
mas, com uma nova postura do poder público e da sociedade podemos construir uma
outra cidade. Então, viva a bicicleta!
Então, viva a bicicleta! Mas estaria ela viva ou apenas latente no imaginário coletivo de que ela pode salvar o planeta? Todo mundo é a favor do uso da bicicleta, mas poucos as tem e as usam para fins de locomoção. Esses dias escutei na Ipanema um comentário que rolou em uma estação da Band em SP: Um cidadão em meio a um congestionamento ligou para a Band FM reclamando do engarrafamento, vociferando que os outros carros tinham trancado tudo, aí o radialista ponderou sobre a colocação do ouvinte e disse: Meu amigo, tu não estás num engarrafamento, TU ÉS O ENGARRAFAMENTO, NÃO ADIANTA PENSAR QUE SÓ OS OUTROS ESTÃO ERRADOS, TU TAMBÉM FAZES PARTE DESTA ENGRENAGEM PODRE!Para resolver isso não acredito nem em lei, nem na ciência, me parece que isto está mais relacionado com a consciência... Pra encerrar o que proponho lembrei-me de uma frase que se não estou enganado é do Hobsbawm: Todo mundo quer um mar de rosas, mas ninguém planta uma!
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ResponderExcluirVerdade. Todos temos culpa. É preciso refletir sobre isso, inclusive o signatário do artigo... Mudar paradigmas. Mudar de vida.