O Grito - Edvard Munch. |
Historicamente, é
possível afirmar que o teocentrismo antecedeu o antropocentrismo e, este, por
sua vez, teria sido suplantado pelo biocentrismo, representado na necessidade
de integração entre homem e natureza. Contudo, a história também testemunha
que, quase sempre, se julgou ser o homem um ser superior a todas as coisas,
dotado de inteligência e infalibilidade.
Tal convicção produziu uma espécie de
soberba antropocêntrica e um exército de idiotas. O homem, de fato, é uma
espécie notável, não há dúvidas. Mas o mesmo homem que criou o avião o utilizou
nas conflagrações que vitimaram milhares de pessoas, o mesmo homem que
descobriu a energia para fins pacíficos, também a empregou no terrificante
desabrochar da “rosa de Hiroshima” e suas “rotas alteradas”. O mesmo homem que
criou a cura para milhares de doenças e viabilizou o controle de uma das
maiores patologias do século, a AIDS, também deu azo a desgraças devastadoras,
como a talidomida e os cânceres produzidos pelos agrotóxicos, aqui, bem debaixo
dos nossos narizes. O mesmo homem que se agrupou no movimento hippie e bradou por
liberdade de expressão também protagonizou vilipêndios de toda a ordem nos
inúmeros regimes ditatoriais que envergonham a história. O mesmo homem que,
através de Freud, Lacan e Young buscou alento para os desassossegos da mente,
também produziu experiências nefastas, quando, no regime nazista, lançou mão de
cobaias humanas para a identificação de seus limites psíquicos.
O homem, portanto, não é infalível e
nem tampouco é o epicentro do universo ou do planeta. É mais um elemento de um
ecossistema composto por milhares de organismos vivos. E é exatamente a
consciência da insignificância da raça que poderá nos aproximar da serenidade e
sepultar a auto-idolatria. Fim à comunidade de narcísicos!
Aliás, Shakespeare, Pascal e Darwin
já questionavam a afirmação de que o homem seria a maior das maravilhas do
mundo. Mais, se nos reportarmos a uma das mais conhecidas sentenças bíblicas,
como lembra Mario Cortella, será possível dimensionar exatamente a
insignificância do homem; no caso, perante Deus, mas seria perfeitamente
possível considerar outras referências, o universo, o planeta ou a própria
natureza. Num período de reflexão, disse Abraão, “Vou ousar falar ao meu
Senhor, eu que não passo de pó e cinza” ( Gn 18,27). A frase, se dita em latim, alcança ainda mais força, “Pulvis es et in pulverem reverteris”, ou,
“És pó e a ele voltarás”.
E é esse sentimento, de consciência
dos limites do homem e de que ele pertence a um sistema, a uma engrenagem que
envolve milhares de outros elementos, somado à convicção na finitude – ao menos
terrena – que nos impulsiona e permite assimilar a noção e a importância de
“progresso”. O homem não é o redentor e
o mártir de uma profissão de fé, é apenas um dos protagonistas da história.
É preciso recuperar o verdadeiro
sentido de carpe diem, escrito por
Horácio em suas Odes
e rememorado belamente em “Sociedade dos Poetas Mortos”, uma das grandes obras
que o cinema já produziu. O sentido de “aproveite o dia” não pode ser traduzido
em expressões correntemente empregadas como “curta o hoje, pois a vida é
breve”. O carpe diem de Horácio
lembra o “equilíbrio e a virtude” e não o “viva hoje o que não pode viver amanhã”. A
panacéia de games, o acesso
desqualificado e frenético a sites que nada dizem e a busca por drogas traduzem
um pouco do efeito da crença de que “o hoje termina amanhã”. A vida deve ser
vivida passo a passo, um após o outro. A desesperança e as frustrações fazem
parte da jornada e isso é natural, mas não justificam o abandono do bom
caminho. Junto com a constatação de que quanto mais sabemos, na verdade, menos
sabemos, não deve vir a sensação de que somos todos idiotas, muito embora, se
considerado o arcabouço de conhecimento acumulado pela história, essa seria a
conclusão mais sensata. É a ambição, distinta da ganância, que deve motivar a
busca do conhecimento, da melhora de vida ou da plenitude afetiva. É preciso
afastar o risco de que a indigência intelectual, a repetição e a morte do afeto
nos tornem “animais satisfeitos que dormem”, como certa vez disse Guimarães
Rosa. Ou, como dizia Raul Seixas, “Não posso ficar aí parado. No trono de um
apartamento. Com a boca escancarada. Cheia de dentes. Esperando a morte
chegar”.
Jeferson Dytz Marin
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