9 de set. de 2012

A Irracionalidade da Razão.

O Grito - Edvard Munch.

            Historicamente, é possível afirmar que o teocentrismo antecedeu o antropocentrismo e, este, por sua vez, teria sido suplantado pelo biocentrismo, representado na necessidade de integração entre homem e natureza. Contudo, a história também testemunha que, quase sempre, se julgou ser o homem um ser superior a todas as coisas, dotado de inteligência e infalibilidade.

          Tal convicção produziu uma espécie de soberba antropocêntrica e um exército de idiotas. O homem, de fato, é uma espécie notável, não há dúvidas. Mas o mesmo homem que criou o avião o utilizou nas conflagrações que vitimaram milhares de pessoas, o mesmo homem que descobriu a energia para fins pacíficos, também a empregou no terrificante desabrochar da “rosa de Hiroshima” e suas “rotas alteradas”. O mesmo homem que criou a cura para milhares de doenças e viabilizou o controle de uma das maiores patologias do século, a AIDS, também deu azo a desgraças devastadoras, como a talidomida e os cânceres produzidos pelos agrotóxicos, aqui, bem debaixo dos nossos narizes. O mesmo homem que se agrupou no movimento hippie e bradou por liberdade de expressão também protagonizou vilipêndios de toda a ordem nos inúmeros regimes ditatoriais que envergonham a história. O mesmo homem que, através de Freud, Lacan e Young buscou alento para os desassossegos da mente, também produziu experiências nefastas, quando, no regime nazista, lançou mão de cobaias humanas para a identificação de seus limites psíquicos.

            O homem, portanto, não é infalível e nem tampouco é o epicentro do universo ou do planeta. É mais um elemento de um ecossistema composto por milhares de organismos vivos. E é exatamente a consciência da insignificância da raça que poderá nos aproximar da serenidade e sepultar a auto-idolatria. Fim à comunidade de narcísicos!

            Aliás, Shakespeare, Pascal e Darwin já questionavam a afirmação de que o homem seria a maior das maravilhas do mundo. Mais, se nos reportarmos a uma das mais conhecidas sentenças bíblicas, como lembra Mario Cortella, será possível dimensionar exatamente a insignificância do homem; no caso, perante Deus, mas seria perfeitamente possível considerar outras referências, o universo, o planeta ou a própria natureza. Num período de reflexão, disse Abraão, “Vou ousar falar ao meu Senhor, eu que não passo de pó e cinza” ( Gn 18,27). A frase, se dita em latim, alcança ainda mais força, “Pulvis es et in pulverem reverteris”, ou, “És pó e a ele voltarás”.

         E é esse sentimento, de consciência dos limites do homem e de que ele pertence a um sistema, a uma engrenagem que envolve milhares de outros elementos, somado à convicção na finitude – ao menos terrena – que nos impulsiona e permite assimilar a noção e a importância de “progresso”. O homem não é o redentor e o mártir de uma profissão de fé, é apenas um dos protagonistas da história.

             É preciso recuperar o verdadeiro sentido de carpe diem, escrito por Horácio em suas Odes e rememorado belamente em “Sociedade dos Poetas Mortos”, uma das grandes obras que o cinema já produziu. O sentido de “aproveite o dia” não pode ser traduzido em expressões correntemente empregadas como “curta o hoje, pois a vida é breve”. O carpe diem de Horácio lembra o “equilíbrio e a virtude” e não o  “viva hoje o que não pode viver amanhã”. A panacéia de games, o acesso desqualificado e frenético a sites que nada dizem e a busca por drogas traduzem um pouco do efeito da crença de que “o hoje termina amanhã”. A vida deve ser vivida passo a passo, um após o outro. A desesperança e as frustrações fazem parte da jornada e isso é natural, mas não justificam o abandono do bom caminho. Junto com a constatação de que quanto mais sabemos, na verdade, menos sabemos, não deve vir a sensação de que somos todos idiotas, muito embora, se considerado o arcabouço de conhecimento acumulado pela história, essa seria a conclusão mais sensata. É a ambição, distinta da ganância, que deve motivar a busca do conhecimento, da melhora de vida ou da plenitude afetiva. É preciso afastar o risco de que a indigência intelectual, a repetição e a morte do afeto nos tornem “animais satisfeitos que dormem”, como certa vez disse Guimarães Rosa. Ou, como dizia Raul Seixas, “Não posso ficar aí parado. No trono de um apartamento. Com a boca escancarada. Cheia de dentes. Esperando a morte chegar”. 


Jeferson Dytz Marin

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