20 de dez. de 2012

LANÇAMENTO DE LIVRO DE PESQUISADORES DO GRUPO DE PESQUISA.


No dia 19 de dezembro de 2012, as 19:00 horas, ocorreu lançamento coletivo das obras editadas pela EDUCS, no Salão de Atos da Reitoria. No ato, foi lançado o livro ESTADO, MEIO AMBIENTE E JURISDIÇÃO, organizado pelos professores Carlos Alberto Lunelli e Jeferson Dytz Marin. A obra, que serviu como referência na última seleção do Mestrado em Direito da UCS, "tem o objetivo de fomentar o debate concernente à relação entre a proteção ambiental e o Estado, seja a partir do viés dos acertos e equívocos das políticas públicas, seja mediante um exame pragmático de questões polêmicas afetas do Direito Ambiental Urbanístico e ao modelo de Estado que se quer na busca de uma efetiva política de tutela do ambiente, seja com foco no exame crítico da jurisdição, que ainda é vítima das amarras da tutela individual-privatista germinada no direito romano cristão".

Na ocasião, estiveram presentes o Reitor da Universidade, Prof. Izidoro Zorzi, o Pró-Reitor Acadêmico Prof. Evaldo Kuiawa, o Diretor do Centro de Ciências Jurídicas, Prof. José Carlos Monteiro e o jornalista responsável pela EDUCS, Prof. Renato.

O Prof. Jeferson falou em nome de todos os autores presentes, que estavam lançando suas obras. "Afirmo que a pós-modernidade, na linha da velocidade estérica que contamina o mundo, está embalsamada na massificação da cultura e é vítima dos moedeiros falsos, que, no direito, estão presentes na tentativa de manualizar o conhecimento e condensá-lo cada vez mais". Por fim, disse que é "necessário retomar o caráter literário da produção científica, relembrando as sagas de Grabriel Garcia Marquez e Érico Veríssimo e abandonando o culto às sagas rasas, que apresentam casais de "vampiros" como protragonistas". 

2 de dez. de 2012

O CONSUMIDOR ENLATADO: O Périplo dos 0800.

Consumismo Não Tem Mais Idade.

Definitivamente, chegamos na “era da técnica”. As máquinas assumem o lugar do homem e o homem, quando em ação, busca cada vez mais moldar-se às características da máquina, como se esse fosse o paradigma concludente do futuro. O apogeu desse estigma, seguramente, traduz-se na figura do usuário, que tomado de cólera, externa toda sua insatisfação com o serviço prestado, recebendo a saudação final da atendente humano-eletrônica: “Necessita de mais alguma coisa? A companhia (...) agradece e deseja um bom dia”.

Cordialidade mórbida! Gentileza sarcástica! Acintoso cinismo! Difícil qualificar a mensagem compulsória emitida pelas atendentes das companhias que patrocinam os serviços de massa. Mais difícil ainda descrever a indignação que avassala o usuário, tomado de ira em face do notório descaso a que é submetido.

É comum o relato de pessoas que aguardam mais de meia hora para um atendimento e, ao cabo, não têm seu problema resolvido, sua ligação é interrompida ou ainda se deparam com um indicativo de nova tentativa em face de “problemas” apresentados no sistema.

A tutela do consumidor, no Brasil, alcançou contornos de política pública prioritária com a edição do Código de Defesa do Consumidor, entretanto, a propalada atenção anunciada pela edição da norma não tem se verificado na prática. Os serviços de telecomunicação, energia, saúde e boa parte das ofertas de cunho público, que guardam também contornos sociais, não têm registrado a efetividade desejada.

As determinações das agências reguladoras, alçadas à categoria de autarquias especiais, acabam frustrando o efeito pragmático que move sua gênese. Os serviços de discagem gratuita, no mais das vezes, revelam descaso ao consumidor, que após um calvário desgastante e conversas intermináveis com toda a sorte de setores, acaba, muitas vezes, sem o préstimo almejado. O cancelamento dos serviços, seguramente, é o escopo consumerista mais vilipendiado, fruto das dificuldades impostas pelas empresas, que lançam mão de todas as artimanhas para a manutenção do cliente em seus quadros, desconsiderando a insatisfação do usuário com os serviços prestados. O exemplo da saudação cabal da atendente é o reflexo mais repugnante dessa realidade.

Se é certo que houve um avanço significativo na acessibilidade dos serviços prestados, baixando-se o custo de boa parte da oferta, assim como se percebe uma agilização elogiável na assistência técnica, também é correto afirmar que o atendimento ao usuário quando da constatação de problemas na prestação da atividade guarda caráter de imensa precariedade. A supressão do elemento humano certamente é um dos maiores óbices ao alcance de um índice razoável de satisfação.

No século em que a informática avança a passos largos e no qual a velocidade das informações se desenvolve de forma avassaladora, não se pode, a custa da evolução imanente, tolher dos indivíduos o direito de receber, dos órgãos públicos ou empresas privadas que exercem atividades tipicamente públicas, notícias emitidas por homens e mulheres e não por aparelhos eletrônicos que jamais compreenderão os sentimentos experimentados pelos usuários desagradados.

O direito à qualidade dos serviços e produtos apresentados, de ciência plena das informações relevantes no tocante à composição e condições de oferta e de cordialidade, eficiência e presteza no atendimento, são indispensáveis ao cumprimento da ordem constitucional de tutela plena ao consumidor.

A ineficiência dos serviços prestados, além da natural insatisfação do consumidor, tem gestado um sem-número de ações judiciais que buscam a devida reparação material e moral, consectário das práticas ilegais das prestadoras. O Judiciário, como baluarte derradeiro da proteção do consumidor, constitui-se porquanto no depositário da esperança cidadã dos prejuízos nefastos experimentados diariamente pelos usuários.

Os danos morais em face da indevida inclusão nos cadastros de inadimplentes, após a demonstração clara do pagamento, a busca da reparação material em razão da privação da utilização de serviços essenciais e a proibição do corte arbitrário da oferta, são algumas das ações mais comuns na busca da tutela do consumidor.

Espera-se, assim, que os órgãos públicos responsáveis pela imposição das garantias mínimas ao consumidor e do dever de qualidade do prestador possam assegurar o respeito devido aos usuários, reféns de uma sociedade onde as ofertas crescem vertiginosamente, o que dá azo a um consequente aumento dos riscos nas negociações. Isso exige uma postura incisiva do Estado, que além de estabelecer regras rigorosas deve assegurar a fiscalização efetiva de seu cumprimento e fixar penas compatíveis com o potencial dos prejuízos gerados.

Jeferson Dytz Marin

15 de nov. de 2012

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA.

José Saramago.

O homem, levado pelo tempo, pelo tempo veloz, não tem mais “tempo” para apreciar o “tempo”. O consumismo entrou em nossas casas, sentou-se a nossa mesa e comeu da nossa comida. A estandartização do homem, o processo de igualização e a perda do significado das coisas ofertam a roupagem da crise de identidade que atravessamos.

José Saramago, em Ensaio sobre a Cegueira, na magnitude de quem arrebatou merecidamente o Prêmio Nobel e põe-se dentre os maiores escritores de todos os tempos, mescla literatura e sabedoria para dizer que precisamos parar, debruçar-nos sobre a vida e, paradoxalmente, fechar os olhos para ver. Como diz o Livro dos Conselhos: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.

A obra do português é a proposta de antítese à modernidade. O filme de Fernando Meirelles, que recebe a designação do livro homônimo, não é só inspirado na obra do escritor e dramaturgo, mas registra a franca e difícil pretensão de reproduzir a história que brotou da mente e das mãos de Saramago. Como afirma o próprio autor, num dos diálogos que intenta a busca da causa da cegueira: “Porque foi que cegamos? Não sei, talvez um dia se cheque a conhecer a razão. Queres que te diga o que penso? Diz. Penso que não cegamos, penso que estamos cegos. Cegos que vêem. Cegos, que, vendo, não vêem”.

O que nos leva a cegar? As mensagens subliminares do consumismo, a imposição do pertencimento e a institucionalização do agir faz com que as pessoas não se percebam mais e não percebam os outros. A velocidade da vida amordaça o homem e impõe o questionamento da idéia de liberdade. A patologia que acomete os personagens de Saramago não é biológica. A institucionalização da cegueira registra relação direta com a formatação do homem moderno, vítima de um processo de padronização perversa que sepulta as individualidades, responsáveis pela composição do mosaico social, do qual a pluralidade é condição fundante.

A velocidade em gigahertz da modernidade, a necessidade de respostas imediatas, a instantaneidade do tempo, no que Zygmunt Bauman chamou de modernidade líquida, encobriu a vida, engoliu a vida, matou a vida (...) sobrou, a cegueira. Saramago propõe a reflexão do homem e o início de um caminho que resgate a lucidez perdida, o afeto vilipendiado e a passividade contemplativa. Ao mesmo tempo em que promove o tempo ao posto de contêiner de capacidade infinita, a modernidade fluída dissolve – erige uma névoa e desvaloriza sua duração.

A busca do significado das coisas e a reparação do que foi abandonado, mutilado, do que já deixou de se tornar caro ao homem, é uma das missões que Saramago propõe.

Num dia trivial, defronte ao sinal de trânsito, um carro apresenta-se imóvel dentre o movimento intenso: um homem acusa estar cego, sem motivo aparente. Inicia-se o contágio do que vem a ser denominado “treva branca”. O número de pessoas contaminadas pela morbidade aumenta cada vez mais e o Estado determina a quarentena de todos, impondo um isolamento autoritário e mórbido, sem qualquer contato com o mundo externo.

Dentre os cegos, uma mulher ainda mantém a visão biológica (Já que o ato de enxergar, para Saramago, tem outras conotações, numa riqueza metafórica impressionante). Guia então os demais reclusos até que um grupo decide impor um regime tirano e grotesco, manipulando a comida enviada pelo governo e exigindo em troca bens e serviços sexuais das mulheres. O grupo subordinado revolta-se e consegue restabelecer as forças, quando “alcança a liberdade”, deparando-se com um mundo destruído onde o caos impera e a cegueira vitimou a todos.


O “reencontro” do homem consigo mesmo, representado na retomada do afeto, do respeito mútuo e da lucidez daqueles que deixam a reclusão, impõe a dura mensagem de Saramago, que lança mão da metáfora da cegueira para permitir que todos enxergassem novamente. Enxergar o quê? A vida, os outros e, em última instância, a nós mesmos.



Jeferson Dytz Marin 

2 de nov. de 2012

TIREM OS BURACOS DO CAMINHO QUE EU QUERO PASSAR!



Um dos Buracos da RS 470.


Já é voz corrente no Estado a grita proveniente da situação das nossas rodovias. Até a serra gaúcha, que sempre registrou uma tradição de boas estradas, está sendo vitimada pelo caráter deplorável de praticamente todas as vias da região.

Outras rincões do Rio Grande, como a metade sul, que já enfrentam realidades lastimáveis a algum tempo, hoje, registram alguns trechos nos quais é praticamente impossível distinguir os buracos de eventual pavimentação regular. Enfim, a estrada encontra-se em completo estado de inacessibilidade. Por sinal, em recente viagem que realizamos a Santa Maria, constatamos que o trecho entre a aludida cidade universitária e Paraíso do Sul é, seguramente, um dos piores que já trafegamos. Só a hospitalidade cediça do povo santa-mariense e os predicados intelectuais oferecidos pela cidade, em face do celeiro de talentos que registra, compensam o calvário. De qualquer sorte, rever os antigos amigos tem exigido muito daqueles que visitam Santa Maria.

A RST-470, que liga Bento Gonçalves a Veranópolis, registra trechos calamitosos, que põe em sério risco os motoristas que trafegam pelo trecho. O caminho até a capital do Basalto não oferece melhor sorte, já que se apresenta igualmente repleto de buracos.

Nem os trechos pedagiados escapam. São comuns os remendos que desnivelam o asfalto e também oferecem risco aos motoristas. Assim, o que deveria ser exemplo de qualidade e segurança acaba revertendo em novos prejuízos aos usuários. Por sinal, na semana passada, em programa de rádio do qual participamos em Bento Gonçalves, dois proprietários de transportadoras informavam que já ingressaram com mais de uma dezena de ações contra o Estado e as concessionárias, em face de prejuízos causados aos caminhões por conta do estado das rodovias pedagiadas. Assim, paga-se para trafegar e paga-se para consertar os veículos.

Espera-se que esta realidade seja modificada imediatamente, sob pena de ultrajar ainda mais a matriz produtiva, as empresas, os agricultores e todos os usuários das rodovias. Contudo, até que a situação calamitosa permaneça inalterada, vale lembrar que os usuários têm reconhecido o direito a buscar a reparação pelos prejuízos oriundos dos acidentes provocados pelas más condições das rodovias. Assim, aquele que experimentar qualquer dano em seu veículo, poderá ingressar com ação indenizatória contra o Estado do Rio Grande do Sul, na hipótese de rodovia estadual, contra a União, na hipótese de rodovia federal e, também, poderá incluir a concessionária quando se tratar de rodovia pedagiada. O ideal é que o motorista providencie laudo mecânico dando conta dos prejuízos e  fotografias do sinistro, provando o ocorrido.

Certamente todos clamam por uma solução ingente! No momento em que nos voltamos para a Lei Seca, responsável sim pela considerável diminuição do número de acidentes, as rodovias permanecem em completo abandono, redundando em riscos ainda maiores aos motoristas, receosos das condições funestas que as estradas do Rio Grande do Sul apresentam.

Jeferson Dytz Marin

27 de out. de 2012

Jovem Pesquisador 2012.

Bolsista Cassiano Scandolara Rodrigues.
Bolsista Grayce Kelly Bioen.





















     Nos dias 23 e 25 de Outubro, dois bolsistas graduandos do Grupo ALFAJUS estiveram presentes no Encontro de Jovens Pesquisadores em Caxias do Sul. Grayce Kelly Bioen, através de uma apresentação oral, as 17h, com a temática: "A Crise do Direito Ambiental na Pós Modernidade: Uma Incursão Pela Teoria da Decisão"; e Cassiano Scandolara Rodrigues através de uma exposição de banner, com: "O Caso Amianto". Os banners estarão expostos na Universidade de Caxias do Sul, Campus Região dos Vinhedos (Carvi), Bento Gonçalves/RS.

22 de out. de 2012

Ajuste de Foco.


É isso que queremos?

              Fácil constatar que aquele mundo futurístico imaginado nas décadas passadas e ensaiado em tantas pecas cinematográficas esta obviamente cada vez mais impossível de acontecer. Em lugar de um profundo desenvolvimento cultural e arquitetônico, o crescimento desordenado cria uma paisagem caótica e incomodante, com ruas intransitáveis e arranha-céus que encobrem outros arranha-céus, onde tem sol aquele que esta no topo da cadeia econômica.

            O erro é de fácil constatação. Nas escolhas a economia sempre prevalece como prioridade maior do que um meio ambiente saudável e uma arquitetura que valoriza nossa historia e cultura. O importante, antes de tudo, é comercializar rápido, aquecer a economia e entulhar as pessoas com coisas que elas nem sabiam que precisavam, colocar preços baixos em unidades imobiliárias para que morem onde ate então não gostavam e vender tantos carros quanto possível antes que alguém pense em parar essa loucura em detrimento da viabilidade urbana e baixa emissão de gases poluentes.

 A hora é agora. Deve-se balizar o direito com os princípios ambientais e punir financeiramente os agentes poluidores. Deve-se, em vez de reduzir, carregar a tributação de veículos e garantir que esses impostos sejam destinados ao transporte publico e a boa manutenção das estradas, sendo o papel da população exigir a correta aplicação do dinheiro proveniente dessa renda. Os planos diretores não devem coibir novos empreendimentos, mas definir padrões severos, acabando com a poluição visual, além de estimular a manutenção e renovação das construções, que mantêm a arquitetura de nossos antepassados, através de programas de isenção do IPTU, isso antes que destruam tudo.

Utopia? Não, adequado funcionamento social. A população deve sair um pouco da sua zona de conforto, expressão tão utilizada no futebol dos últimos tempos e sacrificar um pouco da sua comodidade em benefício do bem estar ambiental e social. Parar de andar individualmente em carros feitos para cinco e aceitar pagar mais em troca de um retorno ecológico. É preciso entender que estimular o consumo de produtos que se tornaram descartáveis, como, impressionantemente, carros e eletrônicos, terá consequências gravíssimas. Óbvio que as pessoas precisam de empregos, mas existem tantas outras formas de estimular a criação de renda própria, tantas profissões que seriam tão agradáveis para o nosso meio e que não são estimuladas. Em compensação, a isenção de impostos para montadoras tem sido uma das tônicas principais da Administração Pública.

É preciso entender que todos não podem ter tudo ao mesmo tempo, mas podemos todos desfrutar daquilo que construímos juntos, o que, no final, com certeza proporcionará mais felicidade do que um lindo por do sol em meio à poluição visto através da janela do seu carro parado no meio de um engarrafamento.


Cassiano Scandolara Rodrigues

18 de out. de 2012

Espelhos.


Eduardo Galeano.

Premidos e calcificados pela azáfama dos dias, sufocados pelos afazeres cotidianos, esquecemos que o sol nasce e se põe a cada dia vindouro, distanciando-se pouco a pouco da terna e doce sensação das crianças, da qual todos nós experimentamos. Os espelhos nos indicam como gostaríamos de viver e não vivemos.

Eduardo Galeano é uma dessas pessoas singulares que consegue reunir a bravura dos homens altivos, corajosos e despojados das influências das convenções sociais, com o afeto puro e despretencioso das crianças. Escritor e jornalista uruguaio, suas obras foram traduzidas para diversas línguas e influenciaram muitas gerações de escritores.

Suas obras são integrantes obrigatórias da floresta literária de qualquer admirador da boa escrita, da paixão e da fantasia que os livros trazem consigo. “As veias abertas da América Latina” traz a história do vilipêndio mordaz de uma geração massacrada pela supressão diária de direitos, pelas atrocidades covardes dos porões e pela indignidade dos militares que tomaram boa parte da América durante longos e intermináveis anos.

 Nos revela a história viva, ainda presente nas cicatrizes indeléveis das vítimas de um tempo passado que todos querem esquecer. Mas como não podemos arrancar as páginas, Galeano nos permite manter viva a capacidade de indignação com as ameaças de violação da democracia e da liberdade.

Ele nos traz, de fato, o espelho de uma época. Mas muito mais que isso, revela nossos espelhos, questionando-nos acerca de como vivemos, como deveríamos viver e como o tempo nos ensina, nos tirando e nos ofertando, nos mostrando e nos cobrando, nos premiando e nos punindo, nos alcançando e nos deixando.

Num momento onde o ter sobrepõe-se ao ser, Galeano nos deixa um alerta: “As cidades não existem. Existem as pessoas que nelas respiram e que por elas caminham. Não me apego a edifícios. As pessoas, essas me fazem falta”. Quais são nossos espelhos? Como vivemos? Como os outros querem que a gente viva? Como queremos viver? Como vamos viver.

Jeferson Dytz Marin

10 de out. de 2012

Nepos, de Fisiologis.

Dinheiro Público - Para Onde vai?


     Certa feita, em terrae brasilis, no Império de Fisiologis, ou Província, ou Reino, como queira, até porque Império também denota uma comuna italiana, localizada na província de Benevento... Enfim, nesse lugar, o Imperador Nepos, após suplantrar avassaladoramente a dinastia que o antecedia, sentada ao trono por séculos e arrimada numa plutocracia que abrigava sob um mesmo teto tiranos, pseudo-benfeitores, sofistas e burocratas, prometia inumar as agruras vividas pelos súditos e trazer a bonança e a probidade, fazendo com que a felicidade deitasse definitivamente suas raízes sobre Fisiologis.

   A esperança arrebatou cada um dos habitantes de Fisiologis, que acalentaram o sonho por dias melhores, a salvo do despotismo do governo que reinava até então. O povo, oprimido, mas já habituado aos desmandos e à inércia do Império derrotado, acomodou-se e apresentou a paciência necessária ao cultivo dos dias de bonança, que suscederiam o longo período de trevas que havia devastadado vales, semeado tristezas e gestado milhares de esquecidos, pobres descamizados que, recolhidos a cavernas, negavam-se sequer a presenciar a luz do dia.

   O tempo passou, passou, passou e a esperança foi cambaleando. Algumas vozes bradavam! Mas eram os murmúrios daqueles que haviam sido protegidos pela dinastia despótica ou então novos-iguais, que pretendiam implantar um novo totalitarismo centenário, que inauguraria um período de mais desesperança e desamparo.

     Surgiram afagos, promessas e a intenção de resgatar a dignidade dos cidadãos que furtivamente ainda habitavam os recôndidos cantos e alimentavam-se das réstias. Apesar da retórica, o reino continuava repleto de donzelas que, na doce idade, viam vilipendiada sua alma, suas esperanças, seu espírito. Os suores, suspiros e o mar de lodo ainda impregnava o ar carregado das alcovas que abrigavam o fim tenro da inocência.

     O Clero, que havia sido alijado do poder e já não dispunha da influência de outrora, nem sequer do domínio da cultura, haja vista que Aristóteles, Platão, Descartes e Rousseau circulavam livremente nos bancos acadêmicos e nos saraus, voltou à tona. Por sinal, diga-se, en passant, que a cultura havia sido democratizada e o povo, antes jogado à sorte da ignorância, agora já tinha acesso à boa literatura, teatro e outras formas que abrigavam a manifestação da arte, claro, desde que não representasse o questionamento ao Império.

    Mas voltando ao Clero, como dito, houve o momento em que deixou o exílio, o ostracismo e retomou seu caráter de protagonista. Coincidência ou não, foi exatamente aqui que o Império lançou um imenso programa de expansão das cidades, desenvolvendo projetos modernos de termas públicas, vastas bibliotecas, o anfiteatro Flaviano, que mais tarde seria conhecido como Coliseu, fontes e principalmente mansões, nas quais preponderava o estilo romano e gótico. Também não faltavam arabescos ilustrativos, que deram uma nova face à principal área do Império, muito visitada por estrangeiros. Com grandes pedras e bermas delineadas, as construções eram vistosas e davam a impressão absoluta de prosperidade.

   O progresso era notório e o Império refletia pujança e beleza, enchendo os olhos não apenas das províncias lindeiras, mas também além mar. Ocorre que Térbius, sob forte influência do Clero, resolveu cobrar taxas elevadíssimas para a concretização das grandes obras e a expansão da arte arquitetônica que se via aos quatro ventos. Desde então, com a aquiescência de Nepos, os atos de corrompimento não cessaram mais e definitivamente, igualaram o Imperador ao nefasto período que a grande cruzada havia derrotado. Os pensadores já não circulavam mais no Palácio. Em especial Jafet, aprendiz da maiêutica, que, frustrado, abandonara todos os sonhos de liberdade e igualdade cultivados.

    Por fim, fato era que Fisiologis continuava a mesma. Contudo, o que ninguém sabia era que Soalhus, um magnânimo paladino da justiça, dotado de inteligência singular, ainda estava disposto a pôr fim às agruras do povo e ao despotismo que reinava. Enquanto isso, Solicitorsis dava seguimento a seu bradar efusivo, tendente a destronar Nepos e implantar um novo, mas idêntico reinado de desmandos.

                                                                                Jeferson Dytz Marin

4 de out. de 2012

Quem Inventou a Tristeza, Trate de Desinventar...

Prof. Ovídio Baptista da Silva.


Alguns passam pelo mundo para viver no anonimato. Outros para acumular riqueza. Outros para sobreviver. Alguns amam. Outros odeiam. Alguns passam a vida inteira buscando a felicidade... e não encontram. Alguns têm certeza do que não querem. Outros têm certeza do que querem. A maioria vive a vida de todos: trabalho, casa, família, domingos, feriados... Outros não têm família.

Poucos, contudo, fazem história. O doutor Ovídio Baptista da Silva foi um desses. Fez da sua vida, do conjunto de seus dias, de sua obra e dele próprio, um marco perene.

Os olhos embotados de lágrimas e livros, vítimas do efeito nefasto do fim. O coração apertado e seguindo a passos largos e lentos. As palavras ausentes. A fala pouca. A voz que me resta. O corpo dormente. O estancar do sangue. O sangue das palavras. As palavras empapuçadas de dor, de mágoa, de ausência, do fardo da falta. Da fuga da letra. Da presença da ausência. Da tristeza imanente à partida.

ÚNICO

Estamos todos órfãos. Órfãos de nosso mestre. Nosso baluarte. Nosso norte. Nosso exemplo. O depositário das verdades autênticas. Das verdades verdadeiras, satíricas, corajosas e profundas.

O professor Ovídio era desses sujeitos que se vê uma vez e não se esquece. Forte. Presente. De pensamento tenaz e personalidade segura, ingente, altiva. Seus alunos carregarão consigo a eterna satisfação da convivência, a herança da notória sabedoria, a áurea que cercava o grande homem e a firmeza aguda e com destino certo de cada uma de suas convicções. E convicção é certeza adquirida por demonstração. É persuasão íntima. Ovídio Baptista tinha convicção vernacular, corpulenta, convicção convicta. Demonstrou-a com clareza quando concebeu a tutela antecipada, consolidada no dispositivo 273 do Código de Processo Civil. Quando criticava a sociedade mercantilista, que sufocava a igualdade, porque na sua gênese, optou por uma liberdade perniciosa, excludente, seletiva, cruel.

Aqueles que com ele conviveram não lembrarão apenas da figura do grande processualista, seguramente um dos maiores que o Brasil produziu. Ao lado de Pontes de Miranda, Barbosa Moreira, Galeno Lacerda. Não. Lembrarão precipuamente do professor Ovídio como um homem forte, singular, contundente. Um homem de opinião genuína. Algo raro no direito moderno. A salvo da influência daqueles que moldam os pareceristas do centro do país, do jugo dos colegas de cátedra e do enquadramento social. Ovídio era um bravo. Era errante, enorme, infinito.

A MORTE DO HOMEM. O NASCIMENTO DO MITO

Ovídio sempre será o que foi. O que é dentro de cada um que o leu. Que com ele conviveu e aprendeu. Para mim, mais do que um perito das letras jurídicas, é um mito, um vulto inspirador, um farol. Será eterno! Será reproduzido e lembrado por seus alunos e pelos alunos de seus alunos. Estará presente em Jaqueline Mielke Silva, em Jania Saldanha e em tantos outros que o seguiram. Se é pecado institucionalizado falar de poesia sem lembrar de Mário Quintana, também será um vilipêndio lembrar de tutelas de urgência, de cautelares, sem pronunciar o nome do são-borjense Ovídio Baptista da Silva.

Com a morte do homem, nasce o mito. O espírito de Ovídio continuará presente no pó sedento das bibliotecas, na fumaça cálida das conversas de bar, nas idéias que brotam famintas nas salas de pesquisa, no direito que desperta todos os dias no átrio dos fóruns, nas primeiras lições de processo dos estudantes, na caliça que se debruça às costas dos operadores, na vida que continua e que como o crepúsculo matutino insiste em ser vida, mesmo com a falta do mestre, do amigo, da lição desperta, do pão jurídico de cada dia.

Jeferson Dytz Marin

26 de set. de 2012

O Voto... Como Óculos Para Cego?

Parthenon.

Na “Política”,  Aristóteles afirma ser  a capacidade de discernir entre o bem e o mal, o justo e o injusto que distingue o homem dos outros animais. E parece que o filósofo barbudo tinha mesmo razão. A questão é saber, primeiro, qual o conceito de bom e justo de cada um. E olha que para o bom e velho Ari, para os íntimos, o conceito de bom e belo estava firmado na virtude. Segundo, se, uma vez detentor da capacidade de distinção do certo e do errado, a opção será pelo primeiro caminho.

A proximidade dos pleitos municipais gera reflexões dessa ordem. A busca por uma pessoa que, dotada de inteligência, tenha também a capacidade de compreender o justo e a probidade para aplicá-lo incondicionalmente. De fato, enfrenta-se uma época de vacas magras. Embora o bordão “Que país é esse?” imortalizado por outro barbudo, o Russo, não ande muito em voga, boa parte da ninhada de políticos recém parida parece ter provindo de uma fêmea espúria, que lhes transmitiu a falta de escrúpulos e a ganância como heranças inalienáveis. No campo religioso, cultivou ainda uma importante lição: “o culto ao Deus-Poder acima de todas as coisas e o dever de adulá-lo diuturnamente como condição de garantia da vida eterna”.

De qualquer forma, apesar da frustração, que colocou todos brasileiros numa mesma estrada, buscando um mártir que literalmente “salve” o povo e lhes garanta um lugar cativo no paraíso, ainda é preciso votar. E o voto, ápice da democracia representativa, denota uma possibilidade concreta de mudança do olhar que cada um debruça sobre a cidade. Sim, a cidade é seguramente o principal campo de debates da eleição municipal.... mas claro, como quem vive nas cidades são pessoas, lógico que a questão central acaba descambando exatamente para a vida dos diletos habitantes da pólis. E apesar do mar de lodo que habita as entranhas da política brasileira, não tenho nenhuma dúvida que ainda é possível encontrar bons políticos. Novamente voltamos aos conceitos. ... Quem é o bom político? Honestidade é imprescindível... mas não adianta ser probo e incompetente, pois o dinheiro público continuará indo para o ralo. Sabedoria. Capacidade de articulação e mobilização. Formacão política. Conhecimento de gestão “pública”... Mas a palavra que define um bom mandatário é, seguramente, “projeto”. As administrações identificam-se e eternizam-se com a implementacão de projetos que mudem a vida das pessoas. Foi assim com a educação em turno integral de Brizola, o transporte coletivo de Jaime Lerner, as ciclovias de Peñalosa em Bogotá, o sistema de locação de bicicletas de Paris, a participação da população nas decisões em Porto Alegre, o metrô de Londres, os banheiros limpos e seguros do Rio de Janeiro...

Mas não é isso que elege ninguém. O que geralmente coloca o candidato na cadeira de Prefeito é o carisma. E aqui mora o problema. Se ele só tiver carisma e nenhuma das outras qualidades.... é o prenúncio de um mandato que, certamente, trará muito mais tristezas que alegrias.

De qualquer sorte, o voto é o exercício democrático que nos é colocado à disposição, especialmente em face do notório desinteresse nos instrumentos de democracia direta, muito mais fortes na Ágora da Grécia Antiga do que nas assembléias públicas que apreciam mudanças do Plano Diretor ou nos conselhos municipais. Deixo a Berthold Brecht a explicação da importância do ato e da necessidade de rompimento com a desolação com a política que aflige boa parte dos habitantes do planeta. “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato, do remédio dependem de decisões políticas. (...) Não sabe o imbecil que de sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado e o pior dos bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio”.


Jeferson Dytz Marin

20 de set. de 2012

Fanqueiros da Literatura.

A Tal Literatura Fanqueira.

Fim de semana frio na serra. Inverno adoçado. Outono abreviado. Ambiente propício aos cabernets, aos merlots, à lareira, família, sopa de agnolini, batata-doce, pinhão e cobertor de orelha.

É... Embora o verão carregue consigo o afã  tropical do clima de pouca roupa, alma leve e face de desopilo, o inverno tem lá seus predicados! E a serra é a cara da estação do frio, da neblina, que incita a aproximação e a busca das  companhias imanentes. De fato, a semana que ultimou trouxe consigo o séquito dos amigos, o mate compartilhado, o fogo como signo da união, da partilha, da vida vivida.

Mas falando em autenticidade, em alteridade, esses são atributos que andam ausentes em boa parte da literatura...

MOEDEIROS FALSOS: A MERCANTILIZAÇÃO DA CULTURA

Machado de Assis, já em 1859, cuidava do tema, censurando de forma veemente os escritores oportunistas, que “fazem do talendo uma machina, e uma machina de obra grossa, movida pelas probabilidades financeiras do resultado, perdendo a dignidade do talento e o pudor da consciência”.

A Academia Brasileira de Letras que o diga, vez que incluiu dentre seus “imortais” José Sarney e Paulo Coelho, enquanto deixou de fora verdadeiros literatos, como o íncone do mercado público, o anjo poeta, o mais ilustre morador do Hotel Magestic, Mário Quintana.

De fato, as obras de auto-ajuda, que prometem a felicidade instantânea, que têm o compromisso espúrio de inumar num piscar de olhos as angústias psicanalíticas, as celeumas pessoais e, de quebra, os problemas do espírito, abarrotam as livrarias e aguçam a sede das cobaias vivas do cotidiano.

A história, a cultura genuína e a verdadeira literatura perdem cada vez mais espaço para os fanqueiros literários, para os escritores mercadológicos, que são fruto do consumismo desenfreado e de um mercado burro voltado cada vez mais para o conhecimento instantâneo, midiático, desprovido de qualidade e prazer.

Como bem descreveu Machado de Assis, “o fanqueiro literário é uma individualidade social e marca uma das aberrações dos tempos modernos. Esse moer contínuo do espírito, que faz da inteligência uma fábrica de Manchester, repugna a natureza da própria intelectualidade”.

A CULTURA MANUELESCA DO DIREITO: TAMBÉM TEMOS NOSSOS FANQUEIROS

O direito não foge à regra machadiana. Também tem seus escritores que se limitam a repetir o passado, a reproduzir realidades vetustas e insistir em verdades absolutas que há muito foram relativizadas. O positivismo, que identifica o direito com a lei e percebe nela a solução para todos os males sociais, reflete-se em muitos manuais de Direito Civil, Processual ou Penal... Um livro que se limita a pouco mais do que reproduzir a lei não é uma obra literária, mas sim um instrumento tacanho a serviço do nada.

Enfim, sem a reflexão do direito, através de uma postura questionadora, não teremos juristas preocupados com a mudança da realidade social e a dinâmica das relações humanas, mas sim seres dotados de uma conduta robótica, que despersonaliza as ações, refém da burrocracia e da tecnificação que olvidam a existência do homem como ser pensante.

“Conhece-se um fanqueiro literário entre muitas cabeças pela extrema cortezia. É um tic. Não há homem de cabeça mais mobil e espinha dorsal mais flexível”. Mas também temos a boa literatura.... e a boa música... Há vida após o fank...“Se eu ousar catar, na superfície de qualquer manhã, as palavras de um livro sem final. Valeu a pena. Sou pescador de ilusões”. Foi assim que terminou o fim de semana. Ao som de Rappa...


Jeferson Dytz Marin

16 de set. de 2012

Decisão Judicial.

Justiça Divergente.

                HÁ JUSTIÇA EM UMA DECISÃO JUDICIAL?


               Vivemos a chamada era do relativismo, das incertezas, das verdades mutantes e do fim de valores absolutos. E a constatação é positiva ou negativa? Parece que a resposta pode ser num ou noutro sentido,dependendo do ângulo que é observada. Contudo, a verdade é que a incerteza se traduz num sintoma da modernidade e temos que nos acostumar a conviver com ela.

Como afirmou o próprio Marx, há muito, a mordernidade faz com que “tudo que seja sólido desmanche no ar”. Atualmente, o sociológo polonês Zygmunt Bauman, um best seller, autor de livros como “Modernidade e Holocausto”, “A arte da vida”, “Amor líquido”, “Tempos líquidos” e “Identidade”, deu asas a ideia do economista barbudo que combatia o capitalismo, concebendo o que denominou de “modernidade líquida”. O tempo da incerteza, da insegurança, dos conceitos que se dissipam, se dissolvem no ar. Das verdades relativas, da crise de valores. Da ausência de rumo.

 Rubem Alves asseverou que, “Quem não tem jardins por dentro e não planta jardins por fora, não passeia por eles”. Sim, são os jardineiros que tendem a ser os mais zelosos e hábeis dos seres humanos, os guardiões das utopias. É na imagem do ideal pré-concebida pelos jardineiros – verdadeiros cuidadores – que nos alimentamos para tentar manter vivas as utopias numa sociedade que as fere de morte a cada dia que se vai.

DECISÃO JUDICIAL, INSATISFAÇÃO E VERDADE RELATIVA

O direito também é vítima do fim das utopias. E a discussão da justiça de uma decisão judicial, passa, necessariamente, pela concepção idealística. Mas afinal, uma decisão proferida por um juiz, um terceiro que aprecia o argumento de duas partes, representadas no processo por seus advogados, produz justiça? O que é justiça? É possível conceber um conceito de justiça que seja capaz de abarcar uma decisão equanime, ideal, a salvo de qualquer contestação?

Seguramente, as pessoas que buscam o Poder Judiciário se perguntam, sempre, acerca da pertinência ou não da decisão. Da justiça que ela produz no caso concreto! E não há dúvida. É absolutamente minoritário o número de cidadãos que busca o Judiciário sob o pálio da má-fé, da tentativa de ludibriar o juízo ou convictos de que o argumento empregado não é razoável. As pessoas acionam o Estado, através do Judiciário, já que, no mais das vezes, têm convicção de que aquilo que afirmam está calcado na ideia de justiça, a partir de um senso comum básico. Um mínimo existencial do direito. O que processualmente se denomina de “condição da ação”.

Mas o certo é que as decisões judiciais são relativas e produzem justiça, apenas, para a parte vencedora. A ideia de “conforto”, de “acolhida” do Poder Judiciário, que dá uma “resposta” ao cidadão que o busca, não parece encontrar correspondência no caso concreto. A parte derrotada fica insatisfeita e, portanto, não percebe a decisão como “justa”.

A SENTENÇA COMO ESCOLHA DE UMA DAS VERSÕES

Pode-se dizer, então, que as decisões judiciais não produzem justiça concreta para ambas as partes, embora no plano processual, a sentença seja aceita como válida. As decisões, na verdade, elegem uma das versões postas por autor ou réu como sendo a mais adequada, a mais fundamentada e aquela que condiz com os mandamentos legais e jurisprudenciais. Além, é claro, da influência inevitável da formação e do posicionamento do julgador, que, a partir da percepção forjada nas provas produzidas no processo, decidirá.

A justiça existe. Mas no plano das utopias. É bom que exista, que seja combustível para a equidade, para um julgamento correto. As utopias são absolutamente necessárias. Sem elas, não há sonho. Devemos acreditar nas utupoias. Contudo, no plano objetivo, temos que reconhecer, com certo pesar, que a decisão judicial “opta” pelos argumentos de uma das partes, gerando satisfação ao vencedor e angústia ao derrotado. Ou seja, a justiça paira sobre aquele que convence o juízo e vence a ação, desamparando o outro, que não logrou êxito em sua tarefa. E de quem é a razão? Ambos a têm. Contudo, apenas um conquista seu reconhecimento.

 Jeferson Dytz Marin

9 de set. de 2012

A Irracionalidade da Razão.

O Grito - Edvard Munch.

            Historicamente, é possível afirmar que o teocentrismo antecedeu o antropocentrismo e, este, por sua vez, teria sido suplantado pelo biocentrismo, representado na necessidade de integração entre homem e natureza. Contudo, a história também testemunha que, quase sempre, se julgou ser o homem um ser superior a todas as coisas, dotado de inteligência e infalibilidade.

          Tal convicção produziu uma espécie de soberba antropocêntrica e um exército de idiotas. O homem, de fato, é uma espécie notável, não há dúvidas. Mas o mesmo homem que criou o avião o utilizou nas conflagrações que vitimaram milhares de pessoas, o mesmo homem que descobriu a energia para fins pacíficos, também a empregou no terrificante desabrochar da “rosa de Hiroshima” e suas “rotas alteradas”. O mesmo homem que criou a cura para milhares de doenças e viabilizou o controle de uma das maiores patologias do século, a AIDS, também deu azo a desgraças devastadoras, como a talidomida e os cânceres produzidos pelos agrotóxicos, aqui, bem debaixo dos nossos narizes. O mesmo homem que se agrupou no movimento hippie e bradou por liberdade de expressão também protagonizou vilipêndios de toda a ordem nos inúmeros regimes ditatoriais que envergonham a história. O mesmo homem que, através de Freud, Lacan e Young buscou alento para os desassossegos da mente, também produziu experiências nefastas, quando, no regime nazista, lançou mão de cobaias humanas para a identificação de seus limites psíquicos.

            O homem, portanto, não é infalível e nem tampouco é o epicentro do universo ou do planeta. É mais um elemento de um ecossistema composto por milhares de organismos vivos. E é exatamente a consciência da insignificância da raça que poderá nos aproximar da serenidade e sepultar a auto-idolatria. Fim à comunidade de narcísicos!

            Aliás, Shakespeare, Pascal e Darwin já questionavam a afirmação de que o homem seria a maior das maravilhas do mundo. Mais, se nos reportarmos a uma das mais conhecidas sentenças bíblicas, como lembra Mario Cortella, será possível dimensionar exatamente a insignificância do homem; no caso, perante Deus, mas seria perfeitamente possível considerar outras referências, o universo, o planeta ou a própria natureza. Num período de reflexão, disse Abraão, “Vou ousar falar ao meu Senhor, eu que não passo de pó e cinza” ( Gn 18,27). A frase, se dita em latim, alcança ainda mais força, “Pulvis es et in pulverem reverteris”, ou, “És pó e a ele voltarás”.

         E é esse sentimento, de consciência dos limites do homem e de que ele pertence a um sistema, a uma engrenagem que envolve milhares de outros elementos, somado à convicção na finitude – ao menos terrena – que nos impulsiona e permite assimilar a noção e a importância de “progresso”. O homem não é o redentor e o mártir de uma profissão de fé, é apenas um dos protagonistas da história.

             É preciso recuperar o verdadeiro sentido de carpe diem, escrito por Horácio em suas Odes e rememorado belamente em “Sociedade dos Poetas Mortos”, uma das grandes obras que o cinema já produziu. O sentido de “aproveite o dia” não pode ser traduzido em expressões correntemente empregadas como “curta o hoje, pois a vida é breve”. O carpe diem de Horácio lembra o “equilíbrio e a virtude” e não o  “viva hoje o que não pode viver amanhã”. A panacéia de games, o acesso desqualificado e frenético a sites que nada dizem e a busca por drogas traduzem um pouco do efeito da crença de que “o hoje termina amanhã”. A vida deve ser vivida passo a passo, um após o outro. A desesperança e as frustrações fazem parte da jornada e isso é natural, mas não justificam o abandono do bom caminho. Junto com a constatação de que quanto mais sabemos, na verdade, menos sabemos, não deve vir a sensação de que somos todos idiotas, muito embora, se considerado o arcabouço de conhecimento acumulado pela história, essa seria a conclusão mais sensata. É a ambição, distinta da ganância, que deve motivar a busca do conhecimento, da melhora de vida ou da plenitude afetiva. É preciso afastar o risco de que a indigência intelectual, a repetição e a morte do afeto nos tornem “animais satisfeitos que dormem”, como certa vez disse Guimarães Rosa. Ou, como dizia Raul Seixas, “Não posso ficar aí parado. No trono de um apartamento. Com a boca escancarada. Cheia de dentes. Esperando a morte chegar”. 


Jeferson Dytz Marin

Revisitando a Locomoção Urbana.

Ciclovias - Bogotá, Capital da Colômbia.


        
        O caos urbano que vitimiza as cidades e torna a vida nas metrópoles quase insuportável impõe um rompimento de paradigma. Não é mais possível conceber como soluções para o trânsito urbano a construção de viadutos, túneis subterrâneos e prédios que abriguem os automóveis das milhares de pessoas que todos os dias se deslocam de suas casas para as atividades profissionais. As grandes obras, de fato, não são a solução para o trânsito, representam apenas uma alternativa paliativa, vez que o número de automóveis cresce vertiginosamente e, portanto, será imensamente maior daqui a dois, cinco e dez anos. O Estado Social, que tateia limites, amparado num princípio jurídico denominado de “reserva do possível”, combalido pela corrupção endêmica que corrói não só as estruturas estatais mas a própria sociedade, pelo mar de ações judiciais que busca a oferta de medicamentos, serviços de saúde, habitação e até mesmo a garantia de espaços de lazer já não suporta mais quantias vultuosas voltadas a assegurar o conforto de uma classe média cada vez mais numerosa. Sim, conforto. A maioria das pessoas busca assegurar um deslocamento tranquilo que faça frente aos ingentes compromissos de uma sociedade estérica e incompreensivelmente veloz, preferencialmente com um automóvel que registre “um só passageiro”.

Claro, não se quer aqui afirmar que a conservação das vias públicas, a organização do trânsito e a abertura de rotas alternativas não devem mais ser executadas. Sim, ainda integrarão as políticas públicas por longos anos. Todavia, não mais como as grandes estrelas, mas como meros coadjuvantes. Só há uma saída para o caos do trânsito das cidades: a mudança de paradigma cultural. Isso implica na renúncia a benesses pessoais e ao conforto solipsista, enfim, ao individualismo exacerbado de uma sociedade pós-moderna que esquece o bem comum e a contribuição que cada um pode dar a si próprio e aos outros. E essa transição passa necessariamente pela mudança drástica dos hábitos de locomoção das pessoas. Os investimentos do poder público, portanto, devem ter dois focos principais. O primeiro, firmado na busca de transportes alternativos, que guardem harmonia com o meio ambiente. O segundo, voltado para o transporte coletivo, que além das tradicionais pistas exclusivas para ônibus, compreende os BRTs, populares em Bogotá, na Colômbia e em Curitiba, onde receberam a alcunha de “ligeirinhos”, os metrôs, o investimento em trens inter-municipais e estaduais, modificando a funesta paisagem da malha rodoviária.

Dois grandes urbanistas podem testemunhar o sucesso dessas experiências. Jaime Lerner, que tornou a capital paranaense uma referência em transporte coletivo e Enrique Peñnalosa, que recentemente esteve em Porto Alegre e também estará na Rio + 20. Ex-Prefeito de Bogotá, implantou vias arejadas para os ônibus e construiu milhares de kilômetros de ciclovias. Isso mesmo: bicicletas. Constituem um meio de transporte ecologicamente adequado, que contribui para o combate ao sedentarismo, um dos grandes problemas da humanidade e ainda viabilizam o desafogamento do trânsito. Claro que a alternativa é mais viável para centros urbanos planos, sem excesso de declive, mas não deve ser desconsiderada em nenhuma cidade que apresente problemas graves de trânsito.

Com a implantação da ciclovia, Porto Alegre caminha nesse sentido, dispondo do apoio de boa parte da população.

Já a aposta no transporte coletivo deve comportar uma efetiva transformação da estrutura física do trânsito das cidades. Como afirma Peñalosa, “... o símbolo de um ônibus, que vai em alta velocidade entre os automóveis que não se movem em um engarrafamento, constrói igualdade”. Ora, a opção pelo transporte coletivo precisa ser atrativa, capaz de convencer a população a mudar o hábito e deixar o automóvel em casa. Assim, seja qual for o transporte coletivo (ônibus, BRTs, trens ou metrôs), ele precisa ter prioridade urbana em relação ao automóvel e oferecer conforto ao seu usuário. Haverá uma disputa de espaço entre os meios de transporte coletivo e os automóveis? Sim. Mas os primeiros têm de vencê-la.

Além disso, claro, os meios coercitivos, que estabeleçam sistema de rodízios de placas e o barateamento do táxi constituem possibilidades interessantes.

O reordenamento do espaço urbano, assim, passa pela transformação do ambiente, a partir de critérios ecológicos, que valorizem o transporte coletivo e a bicicleta como meio alternativo de transporte. Se os novayorkinos conseguem morar e trabalhar em Manhattan praticamente sem garagens, num dos maiores centros econômicos do mundo, porque não conseguiremos? A mudança de paradigma sempre abre conflitos, mas, com uma nova postura do poder público e da sociedade podemos construir uma outra cidade. Então, viva a bicicleta!


Jeferson Dytz Marin